Corpos em Confinamento

 

Introdução

Francesca Rayner

 

O confinamento não representa uma novidade para criadorxs na área da performance. Em Five Day Locker Piece (1971), Chris Burden fechou-se num cacifo da Universidade da Califórnia durante cinco dias. Coco Fusco e Guillermo Gómez-Peña desafiaram, a partir de uma gaiola, o olhar colonial e os sistemas de exibição de sujeitos colonizados em Two Undiscovered Amerindians Visit (1992-1993). Por sua vez, em Untitled Dance with Fish and Others (1987), Angelika Festa, envolvida em lençóis, suspendeu-se de um poste com os olhos vendados durante vinte e quatro horas. Maikon K se manteve imóvel durante três horas dentro de um ambiente plástico enquanto uma substância líquida secava sobre seu corpo em DNA de DAN (2019), e Marina Abramović criou uma casa dentro de uma galeria onde ficou doze dias sem comer em The House with the Ocean View (2002). Nessas performances, xs artistas exploraram os limites dos seus corpos, criaram rituais de purificação e transfiguração, investigaram os posicionamentos éticos e políticos dxs espectadorxs, criticaram a banalização da violência dos regimes políticos vigentes e a mercantilização dos mercados de arte.

Esses confinamentos foram assumidos de maneira voluntária como formas de experimentação artística, por isso diferem do confinamento obrigatório atual no contexto da pandemia do Covid-19. Este último foi acompanhado de medidas restritivas, de estados de exceção não sujeitos a questionamento e uma experimentação cínica sobre as populações. Revelou ainda, e de forma crua, novas e velhas formas de desigualdade. Querendo refletir sobre essas experiências mais recentes de corpos em confinamento, lancei um call para coautorxs:

 

Corpos em Confinamento

O verbo “confinar” e o substantivo “confinamento” têm, entre outras, associações com a medicina, a religião, o sistema judicial, a solidão e a criação intensiva de animais. Neste momento em que os corpos estão forçosamente “restringidos”, seja em casa, num hospital ou num país alheio, urge aprofundar mais a ideia do corpo confinado, as suas associações e possibilidades artísticas. O que implica ser confinadx? Onde estão os limites desse confinamento e o que acontece quando tais limites são ultrapassados? Quem impõe o confinamento e em nome de quem? Como é que o confinamento transforma o corpo individual e coletivo? O espaço virtual alarga ou confirma os limites do confinamento?

 

Artistas, investigadorxs e professorxs residentes em Portugal, França, Espanha e Brasil responderam ao call de forma generosa e diversa. Seguem-se textos de reflexão, imagens, poemas, monólogos e palestras performativas originais sobre como essa experiência de confinamento obrigatório tem sido vivida e pensada.

 

Francesca Rayner é professora auxiliar na Universidade do Minho, em Portugal, onde leciona unidades curriculares de graduação e pós-graduação em Teatro e Performance. A sua investigação incide sobre a política cultural da performance, com um interesse especial em Shakespeare e questões de gênero e sexualidade.

 

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Confinamento

Telma João Santos

 

 

Enquanto performer e investigadora, tenho me dedicado a desenvolver o que chamo de projetos de pensamento-ação, que englobam um percurso documental multimédia, produção de pensamento e a criação de performances e vídeos experimentais. A pesquisa de movimento e o contexto desses projetos centra-se no autoaprisionamento físico em contexto de reclusão voluntária, com performances presenciais onde a partilha da intimidade e da angústia da solidão estão presentes. Neste momento, em plena pandemia de coronavírus, penso muito na ironia que o meu trabalho sugere e no significado das palavras confinamento, isolamento, quarentena, muito presentes de forma voluntária no meu trabalho, mas que agora têm uma influência que se sobrepõe a todas as outras possibilidades.

A dissidência de estar só, de perceber as possibilidades de movimento em espaços restritos dentro de casa ou em espaços exteriores à ideia de casa, mas confinados, uma ideia de autocastração na escolha dos mesmos (SANTOS, 2016), é agora parte de um novo normal, momento em que só/maioritariamente a partir de casa, é possível criar e partilhar. Pergunto-me continuamente como posso me colocar nesse novo contexto enquanto artista, enquanto investigadora, e aqui também enquanto pedagoga: é difícil pensar o trabalho do corpo apenas enquanto corpo solitário e numa relação estritamente virtual com outros corpos; a possibilidade do toque, da relação, são essenciais como motor para o que pode ser depois um trabalho consciente sobre a solidão, sobre o que resta da relação de um corpo com outros quando está só. Há um espaço de relação dos corpos que tem sido, e penso ainda ser, essencial para a criação de um espaço de ausência como objeto artístico. A solidão é agora o contexto natural, ou naturalizado por meio de uma pandemia, e não faz sentido que dissidir passe por criar espaços de proximidade física, porque é um risco demasiado óbvio e não questiona ou coloca em perspectiva esse mesmo risco enquanto motor de mudança.

Partilhar um corpo – entendo aqui corpo como um objeto-sujeito performativo consequente de um processo de criação – presencial ou virtualmente é consequente de uma paisagem de corpos sociais que se relacionam de forma interdependente, e assenta em potenciar corpos que se apresentam como marginais relativamente às relações estabelecidas e que constituem aquilo a que chamamos norma. O que fazer com o corpo presencial marginal, um corpo que permite limites que por vezes não são possíveis virtualmente: nudez, sexualidade, dor, posicionamento político radical? Como falar sobre autoaprisionamento quando o confinamento é obrigatório e é condição-base para que a vida diária aconteça? Aqui, a lógica matemática clássica não funciona: a negação da negação não é a própria afirmação. Ou seja, não podemos criar formas de conectar corpos juntos de forma presencial como contraponto a uma pandemia. Não funciona. Exige-se a criação de novas dissidências, que não passem pelo moralismo do espaço virtual e que sejam espaços seguros, que não ponham em causa a vida desses corpos.

Pensar o futuro é, neste momento, perspectivar paisagens de possibilidades. O vírus como elemento participante e/ou consequente do capitalismo neoliberal, já formulado antes e pensado agora por autores como Elisabeth Povinelli (2016, 2020), coloca-nos várias questões; entre elas, o que fazer quando não podemos estar juntos, ainda que o individualismo seja o modus operandi das sociedades contemporâneas? Como reformular o fazer artístico, que precisa de pele, de presença, de toque, de intimidade, de complexidade e cuidado? A minha dissidência tem sido o silêncio artístico, a incapacidade em reagir. Recuso-me a fazer performances on-line por dois motivos: em primeiro lugar, só o meu trabalho documental faria sentido, e já o partilho habitualmente de forma virtual, o que não configura uma originalidade ou uma reflexão sobre o presente. Por outro lado, em segundo lugar, o que teria agora para partilhar virtualmente não é possível, seria imediatamente bloqueada e o contexto em que o faria também não resistiria.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

POVINELLI, Elisabeth. Geontologies: A Requiem to Late Liberalism. Durham: Duke University Press, 2016.

_____. “Virus and Interdependence of Lives”. In: GUBBAY, Dani Blanga (Org.). Conversa On-line em Quatro Salas, 2020. Ver em: <https://www.facebook.com/thekhanorg/videos/151814866175052/>.

SANTOS, Telma João. Entre o Pensamento Matemático e Arte da Performance: Questões, Analogias e Paradigmas. Tese de Doutoramento. Universidade de Lisboa, 2016. Ver em: <http://hdl.handle.net/10451/26410>.

 

Telma João Santos é doutorada em Matemática e Artes Performativas, é artista e investigadora independente. Escreve em revistas como Performance Research, Leonardo, Liminalities, entre outras, onde desenvolve um modelo relacional em criação artística assente em conceitos matemáticos. Ver em: <https://www.telmajoaosantos.net>.

 

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Notas Sobre o Confinamento

Maria Teresa Amaral

 

 

Antes foram os leprosos jogados fora das cidades e aldeias – confinados. Juntos (com), para além dos limites (fines), barrados nas fronteiras, símbolos da morte em frangalhos, que era necessário a todo custo evitar.

Depois, quando a lepra quase desapareceu, foi a vez dos loucos e de todo o tipo de desviantes ou mesmo de indesejáveis. Tempo de embarcá-los em navios. Navios singrando às águas, às vezes meras correntes de mirrados rios. Pausas nos portos, desenhados e logo borrados visto que o navio parte, o espaço se alonga e estabelece novas delimitações. Assim foi a “Nef des fous”, as naves dos loucos, que vagavam pela Europa lá pelo fim da Idade Média. Assim aconteceu com os degredados, expulsos para a imensidão do oceano, contidos no ventre dos navios, passageiros em passagem até qualquer lugar, qualquer novo mundo.

A partir do século XVII a forma foi outra: agruparam os anormais em asilos, às vezes leprosários vazios, sem palavra, inúmeros, malcheirosos, acusados de trazer a peste, física ou da desrazão. Os que não pensam não são, e, portanto, é preciso escondê-los, fechá-los, torná-los inexistentes. Não são mais néscios ou engraçados, se temos medo deles, como de deuses maus. Provavelmente transmitem doenças, vícios e seu pensar em rizoma é misteriosamente transmissível como a peste. Até o século XVIII, não se trata de imperativo médico, mas somente de imperativo carcerário.

Esses espaços delimitados, esses tempos contados diversas vezes, Michel Foucault os batizou de heterotopias. Eles não são sempre destinados a conter desvios. Podem servir à festa, à ilusão – como os bordéis, os teatros, os parques de diversão – ou à purificação – como os conventos, os lugares onde se praticam ritos de passagem – ou ainda às tentativas de sociedades perfeitas – como as missões jesuíticas do Novo Mundo.

As heterotopias são utopias que – ao contrário das outras – têm um lugar preciso e real, um local que se pode situar num mapa, se passam num tempo determinado, possível de ser fixado e medido segundo um calendário cotidiano, mas que são quase imaginários. Todo grupo humano divide o espaço por ele ocupado, bem como o tempo em que vive em momentos vários. Mas certas criações de espaços humanos têm a particularidade de ocupar lugares absolutamente diferentes, que se opõem, se apagam, se compensam, se neutralizam, são contra-espaços, são utopias localizadas. Essas criações são ucronias, navegando num tempo alternativo, divergindo do outro que chamamos de real. Eis um exemplo de heterotopia e heterocronia, mostrado por Michel Foucault em áudio contido no CD Utopies et Hétérotopies: quando as crianças investem no leito dos pais, na sua ausência deles, elas inventam mundos – o cobertor é o céu sombrio, as irregularidades dos lençóis são as florestas, os monstros ou os bravos cavaleiros. E muito mais. Dez minutos podem ser dez anos, com princesas que rapidamente ficam adultas, neve que cai em pleno verão etc. Há o direito de mudar de cenário e de tempo à vontade.

Um desses tipos de utopias situadas, sem formas constantes, são as heterotopias de “desviação”. Na metade do século XVIII, a utopia de desviação, da cultura que talvez possamos chamar de ocidental, mudou. Apareceu um medo que “se formula em termos médicos, mas que no fundo é todo animado por um mito moral” (FOUCAULT, 1972, p. 375). O medo dos diferentes, dos doentes e/ou criminosos deslocou-se, como também o lugar e a maneira de confiná-los. Não estavam mais confinados fora da fortaleza e arredores – como bem mostra o filme Estranho Caminho de São Tiago, de 1969, de Luis Buñuel – ou nos navios, mas na terra natal do mal, criada pelo ajuntamento de loucos e outros confinados. A partir dela um ar viciado se exala, o contágio se insinua, o mal se expande e pula por sobre fronteiras e outros limites [1]. Os territórios do mal são as casas de internamento, as prisões e, por que não, os hospitais. O medo em relação a esses locais é tanto na época que não convinha nem mesmo pronunciar o nome desses territórios. A loucura transformou-se em peste antes de ser considerada uma doença precisa: a doença mental.

Nos séculos XIX e XX, os doentes mentais são confinados numa fortaleza que até poderia ser nômade, não fossem as clínicas psiquiátricas onde se tenta curar, suprimir a loucura: o castelo da consciência de cada um.

Assim, o formato das heterotopias desenhadas para alojar os doentes muda de espaço e tempo – se reterritorializa: há o confinamento dentro, o confinamento fora e o confinamento portátil.

No século XXI, estávamos vivendo o sumiço de várias antigas heterotopias de desviação: as clínicas psiquiátricas desaparecem geometricamente, os homossexuais até se casam, as prisões, é verdade, aumentam sua quantidade de humanos encarcerados [2], mas cada vez mais se fala em penas alternativas ou em prisões abertas – apontando para outros tipos de heterotopias de encarceramento. Criou-se depósitos para conter velhos, os que não tiveram a gentileza de morrer quando deixaram de trabalhar e que às vezes tombam em desrazão. Chamam os velhos de idosos e os depósitos são disfarçados como casas de repouso ou clínicas geriátricas. Mas a liberdade de ir e vir e mais outras que tais são cerceadas – por exemplo, a liberdade de se sentir adulto e cidadão. Trata-se do purgatório para o cemitério, outra heterotopia importante, desde que nos cemitérios cada idoso que venha a falecer tenha direito a um lugar nessa última morada, o dinheiro ajudando, seu apartamentozinho individual.

Mas era pouco, faltava a tudo isso os velhos horrores cósmicos, a loucura sã que conjura a loucura malsã, lançando mão de formas que revivem os ritos imemoriais.

Foi quando aconteceu a Covid-19.

Nāo vou discutir aqui as medidas tomadas pelos governos europeus. Muito provavelmente, apesar de certas idas e vindas, elas foram as melhores possíveis. Vou falar das novas formas vestidas agora pela heterotopia de confinamento e de como relações interessantes, às vezes emergidas de um longínquo passado, travestiram-se de ciência, mesmo que da ciência bebam, para reedificar a ameaça de fim dos tempos.

De como a Covid-19 torna-se nosso hóspede sabe-se pouco, e o pouco que se sabe não é tão preciso. Primeiro, a maioria dos Estados optou por um confinamento geral: fecharam quase tudo, das fronteiras aos cafés. Fecharam o Outro. Os cidadãos privilegiados de bom senso deviam ficar em casa, os não razoáveis partiriam à aventura, singrando até a padaria de sua preferência, não a mais próxima, como era recomendado. Estes últimos seriam responsáveis pelo alastramento da peste, a partir do seu corpo, agora infectado. Para a proteção das saídas, ditas indispensáveis, o corpo deveria cobrir-se de máscara e luvas, como os homens de preto, máscaras com bicos de aves, que povoavam os pavores de antanho. O corpo, antes mais livre, é de novo prisioneiro. E observe-se que, nesta nova configuração heterotópica, são todos os corpos que são penalizados. Todos devem obedecer ao Distanciamento Social.

Com certas diferenças, idosos e doentes crônicos pertencem a grupos de risco, e assim devem ficar mais confinados ainda, se isso é possível, nos calabouços de seus quartos, esquecidos. Tal confinamento chega a tal ponto que, até pouco, suas numerosas mortes nas casas de repouso não figuravam nas listas dos abatidos pela Covid-19.

Eis reinstalado o horror cósmico, do alto de uma doença que – como a peste – não tem bem delimitados os modos de transferência. Voa pelo ar, com alcance de um metro, dois metros, oitenta metros? Várias teorias se amontoam. Como o excesso de sentidos antes atribuído aos loucos. E a doença, o vírus, se cola aos vários materiais com tempos diversos de efetividade maligna. Agora aparece nas águas sujas das cidades, poluídas pelos nossos corpos culpados de incúria. A água que é, antes de tudo, nesses tempos, parte essencial de um ritual de purificação: lavar e lavar de novo as mãos. Purificar todos os materiais, principalmente com água, a que se acrescenta detergentes, como sinal de que os exorcismos evoluíram. Álcool também ganha espaço importante nesse ritual de purificação nos dias de ameaças da Covid-19. Para quando o fogo?

Para o lote de puros, há como contrapartida o lote de impuros. Quem é puro ou impuro muda com as variações discordantes, possíveis na mesma heterotopia: na França, diariamente se aplaude os médicos e enfermeiros – oito da noite, das janelas e balcões –, já em certos lugares da América Latina, eles são agredidos. A proximidade com o mal os faz ou heróis, que debelam o cancro, ou aparentados aos pestiferados.

Alguém disse – um pesquisador – que o vírus tem em si um objetivo, assim como o Maligno. E como o Maligno, ele nos dá a corda para nos enforcarmos: de decisão em decisão errada de cada um, chegamos ao ponto em que nós mesmos nos matamos por reação atordoada do nosso corpo, por excesso de energia ao tentar expulsar o dito vírus.

Assim, num tempo em que a ciência reina, quase substituindo aos Estados, há muitíssimos que aconselham rezar como remédio infalível. São dotadas de humor as heterotopias.

Mas muito em breve mudaremos de cenário, ou de nome: estaremos sob o signo do desconfinamento. Com ele, para a maioria, haverá o confinamento portátil – com a máscara obrigatória e a continuação do distanciamento social. O confinamento passaria a ser nômade, mas desterritorializando-se só aparentemente, porque o levamos conosco colado à cara, em torno dos limites do corpo, a prisão.

A máscara foi frequentemente usada na história da humanidade como extensão mágica. Permitia a comunicação do corpo com poderes secretos e invisíveis. O corpo era violentado pela nova forma e jogado num outro espaço e num outro tempo, que lhe mudavam também o conteúdo. As máscaras mortuárias, por exemplo, entronizavam o corpo na eternidade.

Agora todas(os) terão máscaras. Para que novas dimensões de nós mesmos, para quais renovados limites esse confinamento nômade nos levará? Faço sinceros votos para que não repitam Howl, de Allen Ginsberg, e dessa vez em heterotopia medíocre.

 

“Eu vi as mentes mais brilhantes da minha geração destruída pela loucura, famintas histéricas nuas… que eram expulsas das academias por demência & publicarem odes obscenas nas janelas do crânio, que se agachavam em quartos com a barba por fazer em roupa interior a queimar dinheiro nos cestos de papéis e a escutar o Terror através da parede.” (GINSBERG, 2014)

 

NOTAS

[1] Esse mal tem virtudes atribuídas ao ácido na química do século XVIII: suas finas partículas, que cortam como agulhas, penetram nos corpos e nos corações tão facilmente como se fossem partículas alcalinas, passivas e quebradiças, que entram em ebulição, se expandem pelo ar e contaminam corpos e almas com seus vapores nocivos. Cf. Michel Foucault em Histoire de la Folie à l’age Classique.

[2] Seria preciso verificar a pertinência desta afirmação, tendo em vista, através do tempo, a relação total de habitantes de um país e os encarcerados.

 

REFERÊNCIAS SONORAS E BIBLIOGRÁFICAS

FOUCAULT, Michel. Histoire de la Folie à l’âge Classique. Paris: Gallimard, 1972.

_____. Utopies et Hétérotopies. INA, Mémoire Vive, CD, áudio digital, 2004.

GINSBERG, Allen. VALE DE GATO, Margarida, Uivo e outros poemas. Trad. e notas de Margarida Vale de Gato. Portugal: Relógio D’Agua, 2014.2014

 

Maria Teresa Amaral vive e trabalha na França. Possui DEA em Genres et Sexualités pela Universidade de Reims e Master 1 e 2 em Études Théâtrales pela Sorbonne Nouvelle. Atualmente, é doutoranda em Ciências da Cultura pela Universidade do Minho. Trabalha com direção e escritura de teatro, em especial, com a criação de espetáculos com a Compagnie Aléatoire de Théâtre.

 

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O Deserto e os Corpos Confinados

Arthur Belloni

 

“O que significa meditar a qualidade e a potência da solidão? O que temos a aprender na incomunicabilidade de uma cela?” Essas são perguntas que Cassiano Quilici nos lança no trecho inicial de um ensaio do seu livro O Ator-Performer e As Poéticas da Transformação de Si. Longe de fazer qualquer tipo de reverência a um tipo de solidão autocentrada, egoísta e narcísica, a solidão a que Quilici (2015) se refere, pelo contrário, está relacionada a processos que nos ajudam a dissolver a nossa própria identidade, desfazer os nossos próprios nomes. São traços, rastros que nos indeterminam enquanto pessoa ou, como sugere o autor numa passagem em que evoca Bachelard, são solidões primeiras, solitudes da infância que, por não poucas vezes, deixam traços indeléveis.

Sem nenhuma dúvida, comunicar-se com os outros é algo fundamental. Contudo, cabe lembrar, “há também outros tipos de ‘outro’ e não se deve desprezá-los. É preciso espaço e silêncio para não espantar esse ‘outro’ que não é exatamente nosso semelhante. A hospitalidade ao estrangeiro, ao outrem que não tem o nosso rosto” (QUILICI, 2015, p. 68). Por essa perspectiva, deve-se, portanto, propiciar uma espécie de ruptura com o fluxo contínuo da informação, da comunicação. Isso para que, por meio de um processo de abertura e ex-posição, os corpos, em suas dimensões profundas e obscuras, possam se deixar afetar por outros mundos; microscópicos e vibráteis; humanos e não humanos. Mundos coletivos que, ao se insinuarem, permitem a conquista de uma espécie de intimidade com os espaços informes, agenciando uma possível dissolução da própria representação do sujeito.

Ao obliterar a própria ideia de um “eu” sólido, de um “si mesmo” substancial, esse processo de enfraquecimento do sujeito instaura ademais uma operação que põe em xeque a própria lógica identitária como valor – Capital – simbólico. Isso porque, a partir do instante em que se desmitifica a ideia mesma de um sujeito estável, passa-se a uma situação em que: “Não há nada a ser ostentado e nenhum território a ser defendido. A falsa fragilidade da situação abriga uma estranha intensidade. A presença irradiante como dádiva. A solidão transfigurada em abertura.” (QUILICI, 2015, p. 70). Não por acaso, no ensaio acima referido, Quilici faz referência aos últimos trabalhos de Michel Foucault, nos quais o filósofo francês resgata uma noção de grande valor na antiguidade e que foi sendo sobrepujada com o passar do tempo, qual seja, o “ocupar-se de si”.

Tal atividade, cabe observar, se diferia sobremaneira daquelas com que se pre-ocupava o “homem carcaça” enquanto sujeito orientado por ambições de poder e prestígio, assim como desejoso de assegurar-se no mundo. Isso porque o “ocupar-se de si”, ao demandar justamente o apartar-se do magnetismo do dia a dia, assim como de seu séquito de apelos, mobilizava antes a “coragem de distanciar-se e habitar os desertos” (QUILICI, 2015, p. 69, grifo nosso) peculiar àquelxs que, orientadxs por uma espécie de desassossego sem alvo ou lugar definido, testemunharam a morte e a transitoriedade de tudo ao longo de seus percursos-deriva.

A ideia de habitar o deserto aqui nos parece oportuna, principalmente se levarmos em conta o real estado das coisas no mundo contemporâneo. Sobretudo agora com a crise da Covid-19, período em que – conforme imagem sugerida pelo líder indígena Ailton Krenak – a Terra, como uma mãe generosa, parece ter decidido fazer a humanidade calar um pouco a boca: Silêncio, Filhx!! Filhx, silêncio!! Num tempo em que se torna cada vez mais imperativo refutar a engrenagem que só considera “útil” o ser que está produzindo, programando atividades para “amanhã” e no qual toda comunhão com a natureza é percebida não como experiência de vida, mas como “alienação”. “Se é alienação, sou alienado. Há muito tempo não programo atividades para ‘depois’.” (KRENAK, 2020) Ou ainda, numa época em que, como observa o filósofo Peter Pál Pelbart:

 

[…] divisões binárias redesenham não só a geopolítica planetária, mas também a do pensamento, em que nos vemos impelidos a tomar partido no campo do bem ou do mal, da verdade ou da mentira […] Mas também entre nós, intelectuais de sensibilidade alternativa, cresce a tentação de reafirmar palavras de ordem, e sub-repticiamente deslizamos nos cacoetes que Roland Barthes denunciava como sendo os dois maiores perigos intrínsecos à linguagem, a assertividade e a gregariedade. A linguagem, lembra ele, não é reacionária nem progressista, ela é simplesmente fascista: ela nos obriga a dizer certas coisas, a ocupar certos lugares, posições – homem-mulher, mestre-aluno, branco-negro, direita-esquerda etc. Como driblar os sentidos impostos, os lugares prévios, como introduzir a hesitação, a indecisão, os estados de suspensão? Como sustentar um discurso, pergunta ele, sem impô-lo? (PELBART, 2005, p. 1325)

 

Por outro lado, poderíamos questionar: Como atingir tais estados de suspensão? Como habitar os desertos? No livro Deleuze, Os Movimentos Aberrantes, David Lapoujade, em sua leitura da obra do filósofo francês Gilles Deleuze, observa que o deserto é a terra esvaziada dos seres humanos que a povoam. Terra que vem antes ou depois do ser humano. Instância sem pressupostos, que nada pressupõe tirante a si mesma. Para atingirmos essa paisagem destituída da figura humana, sugere Lapoujade (2017), seria preciso mobilizar os devires de uma desterritorialização absoluta. Mas, nesse contexto, desterritorializar não implica abandonar a terra ocupada pelos seres humanos nem tampouco carregar a terra consigo para um lugar distante do mundo dos seres humanos. Sugere, em vez disso, desagarrar dos seres humanos a terra de modo a expandi-la ao cosmos. Arrancá-la das percepções e afecções humanas de modo a resgatar-lhe a imobilidade e o movimento próprios.

Cabe observar que, se por um lado, tal processo de desterritorialização despovoa a terra ao esvaziá-la dos seres humanos que a ocupam, por outro, ela acaba por ser repovoada de outro modo. Conforme dizia Yves Klein, no coração do vazio há fogos que queimam. Como um firmamento tempestuoso e carregado de energia, o deserto se constitui como um campo de potencialidades, estando sempre exposto às sacudidas e tormentas das intempéries. Por conseguinte, o repovoamento que se convoca aqui é agenciado não com – e por – seres humanos, mas com tudo o que existe de não humano no ser humano e fora do ser humano (ou ainda, poderíamos acrescentar, com tudo que existe em termos de uma humanidade não exclusiva do ser humano). Isso porque “só chegamos ao deserto – entre os homens – se nos desfizermos de nossa própria humanidade, se nos arrancarmos de nós mesmos seguindo os vetores de desterritorialização da nova terra. Esse é o próprio sentido do nomadismo imóvel invocado por Deleuze e Guattari […], quando a visão se faz, enfim, transvisão” (LAPOUJADE, 2017, p. 295, grifo nosso). Ser atravessado pelo deserto, nesse sentido, demandaria engendrar as condições mesmas de percepção do deserto.

Ou, talvez, melhor que “percepção” seria dizer “percepto”, pois, diferentemente da percepção, que é humana e humanizante, o percepto alcança a paisagem anterior ao ser humano, na ausência do ser humano. Uma terra sem sujeito e sem objeto atravessada por massas moleculares que desencadeiam os devires da desterritorialização. Assim sendo, desertificar o mundo, por essa perspectiva, consiste numa operação para atingir uma instância em que a própria ideia se encontra imbricada ao sensível, de modo que o mundo deixa de ser visto por alguém – eu ou um outro.

E se outrem é o que torna possível a organização do mundo, uma vez aniquilada essa figura, desmorona-se junto a ela o próprio mundo. Posto que num mundo sem outrem, a consciência deixa de iluminar os objetos, tornando-se a pura luminescência das coisas em si. Nesse caso, não há elevação em direção ao sol. A luz que ascende do sem-fundo da matéria torna-se opaca, brumosa, permanecendo em si, sem nada clarear; nada definir. O deserto passa a ser, então, a identidade da matéria com a luz, o assombro de um visível que escapa à vista e é dessa poeira da percepção que se deve partir.

Isso porque, como afirma Lapoujade (2017), é preciso tudo recomeçar no deserto, tudo repovoar: seja para evidenciar o fundo obscuro do mundo e seus estados gasosos, nebulosos; seja para que se produza a gênese de um corpo estranho que temos atrás da cabeça, como o impensado do pensamento (contrapensamento); seja para que toda elevação se confunda com uma queda, pois quando o ser humano se levanta é por pura pretensão; seja ainda, e por fim, “para que reine Uma Justiça que será apenas Cor ou Luz, um espaço que será apenas Saara” (Deleuze apud LAPOUJADE, 2017, p. 295).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LAPOUJADE, David. Deleuze, Os Movimentos Aberrantes. São Paulo: N-1 edições, 2017.

KRENAK, Ailton. O Amanhã não está à Venda. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

PELBART, Peter Pál. “Solidão, Fascismo e Literalidade”. In: Revista Educação & Sociedade, Campinas:  v. 26, n. 93, 2005, p. 1323-1329.

QUILICI, Cassiano. O Ator-Performer e As Poéticas da Transformação de Si. São Paulo: Annablume, 2015.

 

Arthur Belloni é docente da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Possui doutorado e mestrado em Artes pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Concluiu pós-doutoramento no Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho (UMinho).

 

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O Tempo das Ondas

Afonso Becerra

 

 

O tempo das ondas recolheu-se

na planície

da ria.

Agora alonga-se num espelho

que te devolve

que se revolve.

A ria atrás da janela, calada.

 

A canção das ondas não passa

continua constante ao longe

a expandir os lindes

a esfarelar confins.

Entretanto, a ria fica confinada

na janela do Berbês,

entre Cangas e Moanha.

E os pássaros de abril

cantam a revolução por vir,

que, se calhar, já está aqui.

 

(Afonso Becerra. Vigo, o Berbês, 6 de abril de 2020)

 

Afonso Becerra é dramaturgo, encenador e investigador teatral. Doutor em Artes Cênicas (Universitat Autònoma de Barcelona). Licenciado em Arte Dramática, Encenação e Dramaturgia (Institut del Teatre de Barcelona). Docente na ESAD da Galiza na Espanha.

 

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Recolhimento Solitário

Everton Samuel Santos Melo

 

O nosso comportamento tem ressignificado a vida, as ações, as relações de trabalho, as relações interpessoais, sociais, políticas e artísticas. As implicações da pandemia da Covid-19, no primeiro semestre do ano de 2020, restringem encontros sociais e aglomerações de pessoas, quer por receio de contágio, quer por determinações institucionais de organismos e governos locais, nacionais e global. Isolamento, quarentena e distanciamento social são termos recorrentes que delineiam a reconfiguração de posicionamento dos indivíduos nos países do mundo. Dentre pontos vários, um nos parece comum: a solidão das pessoas. Aqui cabe colocar uma questão. Que solidão é essa que temos todxs enfrentado? Abre-se o leque de possibilidades de respostas para entendermos a solidão, sobretudo a solidão do artista.

A pandemia da Covid-19 retirou de cena o ator e o colocou em sua casa, numa solidão absoluta, e alterou o modo de relacionar-se consigo, com as demais pessoas, com as criações artísticas. Aqui busco compreender a solidão do artista nesses tempos de pandemia, fazendo analogia com os espaços em que percorro em minha residência. Espaço este de minha intimidade, onde destino encontrar-me comigo e que, agora, esse mesmo espaço de intimidade é igualmente o meu local de trabalho. O labor de tarefas domésticas, o Home Office, a busca pelo conhecimento advindo pela leitura, o trabalho de criação do artista, tudo está em convulsão. Seria possível essa ambivalência de espaços em um único espaço antes da Covid-19? A resposta seria talvez. Certo é que o ambiente da criação artística não está destinado apenas a uma única dedicação. Ao afirmarmos que a solidão é essencial para desempenharmos um trabalho de criação artística, aceitamos que nessa solidão absoluta a leitura apresenta destaque no ato da criação artística. Ou seja, é por meio da leitura que crio e recrio o mundo. Proporciono encontros de pessoas, vozes, ações, imagens e entendimentos por meio de reflexões que originarão a criação artística numa vida que se constitui na solidão. Nossas tarefas cotidianas, antes impensadas, hoje precisamos pensar em como fazê-las. O ato de levar à lixeira o lixo em ruas ou avenidas tornou-se um evento de performance, em que a pessoa comum e o artista colocam no rosto uma máscara de proteção ao coronavírus Covid-19.

Desse recolhimento solitário, forçosamente imposto a nós seres humanos, é preciso entendermos quais situações nos cercam. E, neste momento em que escrevo este texto, o que me cerca? A resposta é objetiva: um ambiente fechado. Sim, estou em um ambiente fechado dentro de casa há dias. O que tenho feito nesses dias de distanciamento social? Bem, para continuar objetivo, vou dizer que trabalho por horas a fio durante os sete dias da semana. Dentre os meus afazeres tenho que manter a organização e limpeza de minha casa, desenvolver o meu trabalho diário, sim, porque a partir da determinação da Organização Mundial da Saúde (OMS) eu trabalho de casa em modelo Home Office, lecionando o Componente Curricular de Língua Portuguesa para alunos do Ensino Fundamental II, de uma escola católica de Minas Gerais, participando de reuniões e realizando demais atividades da função. Muitos corpos já não possuem seus empregos, em decorrência do fechamento de postos de trabalho. Mas, para não incorrer em erro, recorro ao ponto acerca da criação artística e coloco a questão: qual é o ponto para se romper com o excesso de trabalho e deixar florescer o ato de criação artística de corpos solitários em época de pandemia? Acredito, a criatividade é o ponto. O que me resta fazer nestes dias em que estamos a vivenciar o distanciamento social?

Encontro-me recolhido em meu lar e, nesse ambiente de solidão, recorro à criatividade para buscar encontrar as pessoas que em mim habitam, em minha intimidade conheço-me, reconheço-me e me ressignifico. O isolamento absoluto impõe-me solitário e permite-me ouvir as vozes que ressoam dentro de mim, como muitos corpos artísticos que se esforçam para conseguirem desempenhar suas tarefas diárias particulares, profissionais e artísticas.  Intimamente, o isolamento me proporciona olhar para meus sentimentos e igualmente para o meu lar, antes deixados parcialmente de lado, por colocar a negação da necessidade de se destinar olhar, de olhar para dentro de mim e de melhor me perceber e perceber os meus sentimentos individuais. Diante da situação atual de isolamento na modernidade, as pessoas buscam alcançar os objetivos, produzem seus espetáculos para si e para os outros numa sociedade em que o indivíduo tenta ultrapassar o desafio pessoal.

 

Everton Samuel dos Santos Melo, natural de Contagem, Minas Gerais, é professor de Língua Portuguesa e de Literatura (PUC-Minas/2005). No doutoramento, pesquisa o teatro criado por Augusto Boal e integra o GIArtes–NIEP/CEHum (ILCH-UMinho).

 

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Janelas

Cecília Magalhães Clemente

 

 

Estou em um apartamento no Rio de Janeiro. Sala, dois quartos, banheiro e cozinha. Do lado esquerdo do meu prédio, um enorme hospital. Do lado direito, uma funerária. Eu me tranco em casa e tento escapar da morte que ronda lá fora. Há um mês e meio não sei o que é pisar na rua, e meu corpo tenta encontrar possibilidades de existir confinado em 50 metros quadrados. Os rituais de higiene, exigidos pela pandemia, se multiplicam e beiram à loucura. Lavar, lavar, lavar.

Qual é a modo correto de se higienizar os alimentos, os pacotes dos alimentos, os sacos que envolvem os pacotes dos alimentos? O chão da casa? As maçanetas das portas? De repente, descobrimos que já não sabemos como executar as ações mais corriqueiras e nos perguntamos sobre a medida das coisas. Qual é a proporção exata de água sanitária em cada uma dessas tarefas de limpeza? O que seria suficiente? O que ultrapassa a necessidade? Como evitar a intoxicação com os produtos químicos, com as notícias, com o número de mortos, com as análises políticas, com as “lives”? Qual é a justa medida das coisas?

O excesso dos rituais de limpeza, o excesso de medo e de dúvidas contrasta com a necessidade de viver com o essencial no aqui-agora: cozinhar, comer, se exercitar, tomar um pouco de sol, dormir. O fora, que sempre carregou algum risco latente, agora assumiu o perigo em proporções excessivas e inéditas. Não se pode mais dar uma volta lá fora e a rua começa a nos fazer falta. O corpo sente nostalgia dele próprio em contato com o corpo do outro, sente falta das trocas, do toque. “Logo agora!!!!”. Tenho ouvido muito essa expressão. Como em um lamento, vemos caírem por terra ou ficarem em suspenso nossos projetos, planos, desejos. Meu corpo deseja performar na rua – espaço privilegiado de trocas – assim como deseja afetar e ser afetado por outros corpos, anônimos e desconhecidos.

– Logo agora que precisávamos tanto estar na rua… – lamento íntimo, mas também coletivo, em função do grave cenário político brasileiro.

Sim, logo agora temos que ficar confinados em casa e, desse lugar de intimidade, performamos o cotidiano a partir de rituais que desenvolvemos para sobreviver, não enlouquecer, produzindo, afinal, alguma existência possível.

A vontade de rua me leva à janela. É através dela que acesso, de forma segura, um pouco do fora.

Fora Bolsonaro!

Eis o grito que ecoa através das janelas, a cada noite repetido, atualizado, sempre às 20h30, desde o início do confinamento. Uno-me, então, a corpos desconhecidos que se fazem presentes com seus diversos instrumentos sonoros, especialmente panelas. Silhuetas emolduradas pela janela, gritantes, barulhentas, indignadas, rebeldes. Espectadores ativos de um espetáculo ruim reagindo à atuação grotesca das personagens da cena pública. Os gritos, o barulho, as músicas tocadas e cantadas são o protesto possível do corpo em modo “confinamento”. Há muitas janelas abertas e transitamos por elas em um movimento exaustivo: telas de computadores, televisores, celulares, grupos de WhatsApp e todas as redes sociais. O fora nos invade por todas essas aberturas e frestas, nos levando, novamente, à janela de casa para novos gritos atualizados de acordo com as notícias diárias.

Gosto de pensar os janelaços – ou panelaços – como performances cotidianas que estão se produzindo ao longo do tempo, nessa era de pandemia e de necropolítica. Não há nenhum programa performativo pactuado que nos oriente quanto à ação e sua duração. Nada é combinado previamente, já que não nos conhecemos e nem podemos nos reunir presencialmente para definirmos algo. Performance-protesto, performance de corpos perplexos, esgotados e indignados com a necropolítica praticada pelo governo brasileiro em plena pandemia, com o “deixar morrer” explícito em discursos e ações dos governantes. Por um lado, é possível sentir a morte à espreita, rondando e aproximando-se. Por outro lado, há corpos que resistem e gritam pela vida.

Hoje tem espetáculo? A dúvida que se renova a cada noite gera um frio na barriga. Mas basta um de nós iniciar, dar o pontapé. Um grita daqui, outro responde de lá. Parcerias sonoras são feitas, reconhecemos os nossos e nos alegramos por isso, mesmo sem saber de onde vêm e quem são. Criamos e improvisamos juntos. Às vezes surge um coro; às vezes um jogral inesperado. Ouvimos respostas a uma pergunta lançada ao vento, um novo instrumento entra em cena, queremos nos fazer ouvir cada vez mais longe. Compro um megafone. Quebro uma garrafa de tanto nela bater com um talher. Prolongamentos, próteses efêmeras de um corpo que necessita tocar e ser tocado.

Novos espectadores curiosos e, por vezes, contrários a esse engajamento de corpos às janelas, também se manifestam. Um senhor fecha bruscamente a cortina, uma senhora grita “fora comunistas”, um vizinho não identificado coloca o hino nacional para tocar em looping. Muitos reagem com mais barulho. A senhorinha que de sua janela aplaude a missa do meio-dia, agora aplaude o hino nacional. Muitas palmas! Palmas para Jesus, para um presidente genocida e para os médicos! Tudo ao mesmo tempo agora. Os corpos disputam os olhares e os ouvidos dos vizinhos. Um ponto de umbanda irrompe e abafa o hino. Mais aplausos. Um carro de polícia aparece na rua. Algum morador reclamou do barulho. A sirene passa a ser mais um elemento dessa confusa orquestra performática.

– Amanhã vai ser outro dia! – grita uma janela.

– Vai passar! – grita outra.

– Viva o SUS!

– Fora Bolsonaro genocida!

– Quem mandou matar Marielle?

Entre ânimos alterados e sonoridades múltiplas, ele caminha tranquilamente pela rua, como que alheio e imune a tudo isso: chegou o vendedor de roscas. Como em um espetáculo solo, ele invade a cena com sua voz potente, entoando o velho e conhecido bordão:

– Minha rosca é bem larga e doce! Sente o cheiro da minha rosca! Aproveita que eu tô com a rosca queimando! Minha rosca é três reais. Se tiver três reais, tu come minha rosca!

Aos poucos, as silhuetas vão desaparecendo das molduras, os quadros se desfazem, os sons vão diminuindo.

Fecham-se as janelas e as cortinas.

Agora só se ouve o som dos geradores do hospital ao lado.

 

Cecília Magalhães é psicóloga e performer. Mestre em Artes Cênicas pela UniRio. Sua pesquisa teórico-prática versa sobre as intersecções entre arte, política, corpo, cidade e práticas de subjetivação. Atua nas áreas de educação pública e de saúde mental no Rio de Janeiro.

 

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“não há solidão 

comparável 

à de vivermos longe de nós.”

André Tecedeiro

 

_vou dar uma volta ao corpo

regresso num instante_

Cátia Faísco

 

O meu corpo já não me pertence.

Pertence. Não pertence. Pertence. Não pertence. Pertence. Não. Pertence.

 

As mamas olham o horizonte. Assim. Espetadas. Querem a emancipação. Disse-lhes que eram um peso muito grande para as minhas costas.

[emudecer] [emudecidas]

Verbo escolhido para a reação às minhas palavras.

Disse:

– Senão, vejamos.

E peguei numa balança:

– Mama esquerda, um quilo e duzentos gramas. Mama direita, um quilo e cento e oitenta e cinco gramas.

Assunto encerrado.

Não há nada como os factos, como a ciência.

 

ouve-se um burburinho noturno. não sei de onde vem.

 

Acordo às três e um quarto da manhã. Dói-me a omoplata. Não é bem a omoplata, é a zona. Viro-me para um lado. Viro-me para o outro.

 

[olá. estás acordada? ótimo. podemos falar acerca do que tens de fazer amanhã, de como podes organizar o teu dia? e deixaste o peixe a descongelar? podias fazer favas. mas ervilhas também ficavam bem. assim estufadas com cebola e tomilho. olha, acho que aquele lavatório não vai ficar bem na casa de banho, talvez o outro. vê os preços. e as taxas para entrega. mas se depois demoram. ah, e já agora, as dores nas costas, são as mamas, é o peso das mamas.]

 

pausa.

Esta é a minha mente às três da manhã.

Tenho fome. Levanto-me. Não tenho vontade de o fazer. Odeio levantar-me ao meio da noite. Fico em pânico. Falta-me o ar. É uma solidão tão grande. Não encontro os chinelos. Vou descalça.

 

Não há carros a a a a a a a a passar a esta hora lá fora. Tão bom.

 

Pego num iogurte.

A mão treme, treme, treme.

Sismo de magnitude 6,5.

O iogurte cai ao chão.

O corpo não se move.

O frigorífico está aberto. (Olha a conta da luz!!!)

A mão, cheia de vontade própria, num movimento lento, agarra na fatia de bolo de cenoura. Não é seco. Tem caramelo. Tipo pudim. Os dentes a clac, clac, clac e ainda nem se aproximaram.

 

Oh.

Como o bolo.

Come o bolo!

 

O meu corpo não me pertence.

Está escrito em todas as paredes.

Quando faço yoga.

Quando fodo.

Quando fico com os intestinos presos.

Quando choro.

Quando rio.

 

[so, I heard they call you Boss.]

 

Era uma piada.

Não sou engraçada.

Tenho é as nádegas frias.

Dizem que é uma coisa do género feminino e eu nem sei se acredito porque dizem tanta coisa. E há quase quarenta dias que raramente uso soutien. Mas, com este vento, esta chuva, esta pandemia, quando é que voltam a ver o sol? Enquanto elas se bronzeiam (cor de caramelo mal torrado), as costas descansam. Não há discussões noturnas.

 

Monólogo

Hoje não quero foder.

Hoje não quero que chegue o dia da menstruação.

Hoje não quero comer.

Hoje quero foder.

Hoje quero sentir o sangue.

Hoje quero comer.

 

Ó amiga, é a temporada do sentir.

Ó amiga, é a temporada do caralho!

 

pausa.

 

Acordo às três e um quarto da manhã e o meu corpo não me pertence.

E é uma solidão tão grande.

 

 

Cátia Faísco frequenta o doutoramento em Estudos de Teatro (FLUL), onde investiga acerca do desejo sexual na dramaturgia contemporânea britânica. Leciona na área de Escrita Dramática e Dramaturgia (UM), e é investigadora (NIEP) e dramaturga.

 

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Ao Virar da Esquina

Tiago Porteiro

 

 

O confinamento forçado no interior do espaço privado da casa ativou-me outros sentires e pensares – o mesmo será dizer outros modos de me comportar que se inscrevem na corporalidade: tirar a roupa, desinfetar as mãos, reter o impulso de levar as mãos à cara, frenar o desejo de me aproximar de alguém… E quando chego em casa, depois de uma breve e fugidia incursão pelo exterior, tiro primeiro a carteira ou desinfeto as mãos?

Durante esse período tenho me confrontado com uma variedade de desejos e de necessidades, que me demandam renovadas invenções do ser, do estar e do fazer. Este tempo tem me permitido viver de forma mais densa. E para melhor tomar consciência do que se tem alterado, revisito a minha práxis pré-pandemia. Uma sensação estranha de ter desaprendido muito do que era a minha prática pedagógica e artística revela-se – não fossem essas ações fundadas em protocolos de partilha e de encontro com os outros e que agora se diluíram.

Esse exercício de revisitação me acorda interrogações primordiais. Questiono-me, por exemplo, de forma mais premente, o lugar e a necessidade da relação que estabelecemos, ou não, com os outros. Durante esse período li Byung-Chul Han, nomeadamente o seu livro A Expulsão do Outro, onde refere que é no diálogo com o outro que se constrói a nossa identidade mas que, para que isso se torne uma realidade, é necessária uma justa distância (que não física) relativamente ao outro que contrarie a amálgama do idêntico. E é isso que o autor mais identifica que está a surgir em nossas sociedades egoístas, digitais e narcísicas: a emergência desse idêntico que vem, aos poucos, devastando a possibilidade de emergência da diferença e da diversidade de cada um: “Hoje a proximidade do outro cede lugar a essa falta de distância que é própria do idêntico”, acrescentando que a “proximidade traz inscrita em si a distância como seu contrário dialético” (HAN, 2017, p. 14-15).

Como aproveitar este momento para repensar?

Deambular de manhã pelo espaço público (bem cedo) tem sido uma nova prática matinal. É uma cidade deserta que se expande ao meu olhar. Reparo noutras esquinas e noutras linhas, e também tomo consciência de outros modos de respirar. Nesta rua, que mais me parece ficção, dou por mim em estado de alerta intensificado. Por vezes, surpreende-me sentir-me treinar da acuidade do desvio, simulando, mentalmente, a aproximação de um transeunte em rota de colisão. É verdade que, por momentos, confrontei-me com o perigo e com a vulnerabilidade, e esses estados fizeram-me tomar consciência da fragilidade e da finitude que são apanágios da nossa condição. É estranho, mas nos tornarmos potencialmente infectados e agentes de contaminação nos confere, ao mesmo tempo, uma sensação de impotência e um certo “poder”, que se desvenda no modo como mutuamente nos olhamos.

Volto de novo ao interior do território-casa, que agora se tornou mundo. Há novos hábitos e trajetos que aqui se impuseram. Por exemplo, o ter tido necessidade de encontrar espaços mais recatados para dar tempo à introspecção. Olhando com distância para esta situação de confinamento, reconheço que o impulso para a prática física deliberada não se intensificou. Talvez seja isso reflexo de uma recusa em almejar a mudança através da “artificialidade” de uma prática corporal.

Leio, observo, comunico, vejo, ouço, discuto… como se me tivesse a debruçar à janela para me sintonizar com a ressonância extraordinária do momento. Assim vou fazendo a minha análise crítica de como o mundo avança. Melhor será dizer que tem sido através de uma hiperconexão digital que agora, mais do que nunca, comunico e que apreendo a pulsação em meu redor. Ah, o meu computador! O empenho no trabalho faz-se, quase exclusivamente, através deste engenho excepcional mas ao mesmo tempo destruidor.

Aproximações, esquecimento, palavras, distanciamentos, desconfiança, recolhimentos, imagens, silêncios, excesso…

Neste mar de excepcionalidades, onde a distância e o recolhimento entre nós impera, é tempo de perguntar como olhar agora para as artes performativas: seremos capazes de aproveitar essa oportunidade para repensar e reinventar renovados protocolos de encontro e de copresença?

Os formatos, as poéticas e os dispositivos que os artistas criam serão sempre diversos, mas em todas as procuras, todos almejam fazer emergir as subjetividades de cada um por via de um dispositivo de assembleia. Reforço a pergunta a mim próprio: será este tempo suficientemente marcante para fazer emergir novos modos e novos dispositivos, mais próximos e mais contundentes, de tornar a experiência artística mais necessária, mais transformadora e mais significante?

Quero partilhar convosco, antes de terminar, a necessidade e o desejo que sinto de voltar a criar, em grupo, momentos de partilha artística e de celebração capazes de corporalizar a mudança.

Sonho com a emergência de novas lógicas de habitar e viver, e isso tem alimentado nestes tempos a minha ação. Agarro-me a essa ideia como se de uma oportunidade se tratasse. E mais uma vez me pergunto se encontraremos tudo isso ao virar da esquina… 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HAN, Byung-Chul. A Expulsão do Outro. Lisboa: Relógio d’Água, 2017.

 

Tiago Mora Porteiro, em seu percurso, articula atividade acadêmica com a de pedagogia e criação artística – ator e encenador ao longo de trinta anos. Possui doutorado (2006) em Estudos Teatrais pela Université de la Sorbonne Nouvelle. Desde 2014 é professor auxiliar com nomeação definitiva na Universidade do Minho (UM)/Teatro.

 

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Corpos em Confinamento

José Eduardo Silva

 

Comecei este texto no dia 20 de abril do ano de 2020, algures na quinta semana de confinamento da pandemia por conta do coronavírus Covid-19. Confesso que sem a expansão do meu corpo no espaço, a minha capacidade de pensar tem ficado bloqueada. Por vezes tenho mesmo que sair de casa para a minha mente poder voltar a si.

Eram 11h07. O site https://www.worldometers.info/coronavirus/ indicava, em nível mundial, 2.418.845 de pessoas infectadas e 165.759 casos confirmados de morte por Covid-19. Estes são números “oficiais” e a comunicação social nos lembra regularmente que os números reais devem ser bem mais elevados. Reina uma incerteza líquida, tal como antecipado por Zygmunt Bauman. Não existe tratamento conhecido para esse vírus, mas sabe-se da sua grande resistência e capacidade de propagação. Ninguém sabe se está imune, mas sabe-se do efeito devastador do vírus em pessoas vulneráveis. Face ao imperativo de conter a epidemia, egoísmo e altruísmo fundem-se numa mesma narrativa de apelo ao isolamento social e ao confinamento para evitar o colapso do sistema de saúde.

Trata-se de um momento histórico, pois parece ser a primeira vez que um número tão grande de pessoas em nível mundial, explicitamente e de livre vontade, aceita uma tal restrição à sua liberdade individual. Mas para as atividades performativas, que há muito convivem com a incerteza, o isolamento social está a ser duplamente trágico. Por um lado, representa tudo aquilo contra o que temos lutado ao longo dos tempos, uma vez que cada atividade performativa presencial é um passo de resistência contra o individualismo, a desimplicação e a alienação social. Por outro, a grande maioria desses profissionais não tem contrato de trabalho ou vínculo estável, e só tem remuneração quando está efetivamente em cena ou em processo de ensaios. Na medida em que, desde o início da pandemia, todos os espectáculos foram cancelados, vive-se em perda e teme-se pelo futuro: será o novo “normal” tornar-se produtivo confinado em casa? Procurar não afetar a economia para que no fim tudo continue igual? Poderemos continuar a não nos tocar? A não nos aglomerar? A não trocar impressões sem ser através das redes sociais? A não reivindicar conjuntamente e presencialmente aquilo que nos parece injusto? A ser passivos e aceitar – sem questionar – todas as contingências? É apenas a médio e longo prazo que as consequências desse funcionamento humano confinado às tecnologias produtivas a partir de casa se irão fazer sentir, mas sabemos que isso poderá materializar os nossos piores pesadelos. Por um lado, urge quebrar o isolamento o mais rapidamente possível, por outro sabemos que isso acarretaria enormes riscos.

Sem uma alternativa razoável, este imperativo parece fazer relembrar a famosa máxima “There is no Alternative” (ou TINA) – popularizada pelos governos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan na década de 1980. O imperativo TINA propunha uma submissão concreta dos cidadãos às necessidades (arbitrárias) da economia, numa altura em que a sua financeirização ainda estava a dar os primeiros passos. Os resultados dessas políticas estão à vista e traduziram-se numa progressiva perda de poder reivindicativo, de empatia, de solidariedade e de laços sociais, ao mesmo tempo que o individualismo e a competição se tornaram, cada vez mais, a norma.

O imperativo do confinamento enquanto comportamento social generalizado parece, pois, poder agudizar cada vez mais a promoção do individualismo, para um nível quase “biopolítico” de controle corporal – talvez apenas antecipado por Michel Foucault.  Só que há uma inversão desconcertante nesse processo de isolamento social: este confinamento também está a corroer a economia mundial. 

O que poderá significar isso?

O fato de esse vírus ter sido provavelmente originado na natureza opera um rude golpe na arrogância antropocentrista com que uma certa cultura humana se tem vindo a impor à natureza, a todas as outras espécies de seres vivos (especismo) e até mesmo a outros elementos da espécie humana (racismo, xenofobia, patriarcalismo, transfobia, homofobia entre muitas outras). Somos assim brutalmente relembrados de que tudo à nossa volta é natureza, incluindo nós próprios. Que os abusos que queiramos impor à natureza são aqueles que iremos sofrer. Que a natureza irá continuar a existir dentro das suas próprias regras e que se os humanos também quiserem continuar a existir têm que aprender a reconhecer e respeitar essas regras em si mesmos.

As dicotomias em relação à natureza têm que ser urgentemente repensadas. Talvez como nunca antes, torna-se óbvio que a vida humana e o sistema econômico dominante são profundamente incompatíveis. Eis a situação em que estamos: ou reduzimos as nossas atividades ao mínimo necessário (redescobrindo o que é “necessário”) e destruímos a economia mundial; ou reabrimos as atividades econômicas e corremos o risco de nos destruir e aos nossos entes queridos.

Hoje, 28 de abril, em que o número global subiu para 3.183.982 de infectados e 225.133 mortos, sabemos que não correr esse risco é zelar pela sobrevivência e reinvenção do todo coletivo. É cada vez mais evidente que a lógica de produção e descartabilidade massificadas, que estão na base do sistema econômico atual, é uma aberração que, como relembra Bernard Stiegler, nos instrumentaliza e aprisiona num ciclo vicioso tóxico, do qual urge sair. Não será fácil iniciar essa transição, mas é imperativo que tal aconteça.

 

Fotografias de Paulo Pimenta/ Público

 

No último sábado, 25 de abril, festejamos, confinadxs em casa, o dia da Liberdade, o que foi bastante irônico. Ainda assim foi o momento mais alto deste confinamento. Fiquei emocionado ao cantar com os meus vizinhos e vizinhas – cada um da sua janela – a canção que foi senha da revolução “Grândola, Vila Morena”, de Zeca Afonso. Enquanto cantávamos uns para os outros, de cravo vermelho na mão, pareceu-me que todxs tivemos a certeza de que é preciso resistir. Que todxs sabemos que a revolução de abril é obra inacabada, que os obstáculos são muitos e que é imprescindível estarmos próximos, nem que seja para juntar as nossas vozes. Os desafios de mudança que hoje enfrentamos são enormes. Nenhum corpo estará a mais. Nenhuma voz é dispensável.

 

José Eduardo Silva é ator e encenador desde 1994 e atualmente é investigador Sênior do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho (CEHUM). Fundador do Teatro do Frio (2005), tem trabalhado em companhias como o TNSJ (desde 1999), o Teatro Stabile Torino (2005) e Teatro Oficina (desde 2007), entre muitas outras. O seu trabalho tem sido apresentado em países como Itália, Brasil, Japão, França, Espanha e Marrocos.

 

 

PARA CITAR ESTA PUBLICAÇÃO

RAYNER, Francesca (Org.). “Corpos em Confinamento”. eRevista Performatus, Inhumas, ano 8, n. 21, jul. 2020. ISSN: 2316-8102.

 

Revisão ortográfica de Marcio Honorio de Godoy

Edição de Mãe Paulo

© 2020 eRevista Performatus e xs autorxs

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