Recortes de Imprensa, 1938

 

Esta coletânea de vários autores foi publicada em: Recueil. “Les ballets fluorescents” opéra, Loïe Fuller (ASP-BnF: Auguste Rondel, R. Supp 183, 9 de fevereiro de 1938).

 

Os Balés de Loïe Fuller com Luz Negra

Simonne Amiaux

L’Écho de Paris, 13 de janeiro de 1938

 

No bar da sala de espetáculo Pleyel, a senhorita Gab Sorère, diretora dos Balés de Loïe Fuller com Luz Negra, recebeu, terça-feira à noite, os representantes da imprensa para explicar o que é exatamente essa “luz negra”.

Na realidade, é muito simples.

Loïe Fuller, ilustre criadora de um novo gênero de dança, explorou a luz em todas as possibilidades que ela pode oferecer. Hoje, a física e a química expandem ainda mais as novas conquistas nesse campo.

A luz negra é produzida por lâmpadas elétricas especiais, nas quais um vidro preto intercepta a luz branca e permite a passagem apenas dos raios ultravioletas, que são absolutamente inofensivos.

Sob a influência desses raios, algumas matérias tornam-se luminosas. Elas não refletem a luz, mas parecem tornar-se elas próprias fontes de luz.

Experimentos permitiram a composição de produtos químicos que, sob a ação dos raios ultravioletas, se tornam luminescentes, ganhando tons de variedade e riqueza incomparáveis.

Vestidas com tecidos impregnados dessas composições, a pele recoberta com uma maquiagem especial, as dançarinas, na mais completa escuridão e sob a luz negra, são como seres irreais saídos de algum conto fantástico. E é dessa maneira que as artistas dos Balés de Loïe Fuller surgirão, amanhã à noite, no palco da Sala Pleyel.

Este será um primeiro teste que permitirá aos Balés de Loïe Fuller renovarem indefinidamente seus espetáculos e, talvez, enriquecerem mais tarde, consideravelmente, a arte da encenação.

 

Como os Balés “Fantásticos” de Loïe Fuller se Tornarão os Balés Fluorescentes

Y.-B.

Le Soir, 15 de janeiro de 1938

 

Mais uma vez a ciência moderna coloca-se ao serviço da arte teatral. A senhorita Gab Sorère, discípula e digna continuadora da grande Loïe Fuller, apresentará pela primeira vez ao público, nesta sexta-feira à noite, na Sala Pleyel, A Luz Negra.

Este termo, que pode parecer paradoxal, é contudo exato, uma vez que os raios ultravioletas, que irão desempenhar o papel de mago, são emitidos por uma lâmpada de vidro preto.

“Até agora, os corpos eram considerados apenas como refletores de luz. Graças à luz negra, os corpos passam a ser fluorescentes, isto é, emissores de luz. Nada de comparável, portanto, com a fosforescência, cujo brilho é de menor duração, de menor intensidade, e que, basicamente, é apenas uma acumulação de luz”, disse-nos o engenheiro responsável da empresa que desenvolveu essa técnica.

As novas possibilidades técnicas no que concerne à iluminação de palco, à encenação e ao gênero que oferece essa invenção serão demonstradas em uma série de quadros, em que veremos o desabrochar de flores, clarões de incêndios, estrelas cintilantes e ondulações de véus de cores cambiantes. Alguns desses quadros estarão diretamente relacionados ao ilusionismo, embora se possa afirmar que não será praticado nenhum truque e que não será utilizado nenhum aparelho com essa finalidade.

Até que ponto este espetáculo continuará fiel à escola e ao estilo de Loïe Fuller? Ontem, a senhorita Gab Sorère explicou-nos:

– Loïe Fuller nunca foi, estritamente falando, uma dançarina. Criadora de luz, suas contribuições para o teatro forneceram todas as ideias e técnicas utilizadas hoje, não apenas nas cenas teatrais, mas na própria rua com seus monumentos iluminados por projetores, como podemos ver já há alguns anos. Ela ia ao teatro como o cientista vai ao laboratório, e é certo que, viva, ela teria adotado a luz negra antes de qualquer outro. Além disso, este nosso espetáculo reunirá suas antigas alunas e seguirá os preceitos que ela lhes ensinou.

Com músicas de Grieg, Saint-Saëns, Debussy, Ravel, Schubert e Wagner, Gab Sorère montou vinte balés que, esperamos, justificarão novamente o título de “fantásticos”.

 

Os Balés Fluorescentes de Loïe Fuller na Sala Pleyel

Georges Mussy

L’Écho de Paris, 19 de janeiro de 1938

 

Estes balés, apresentados pela primeira vez durante as festividades da Exposição Universal, põem em prática um procedimento científico – a luz negra –, que abre novas possibilidades às técnicas de iluminação no teatro. A luz negra absorve quase a totalidade do espectro solar para só filtrar os raios ultravioletas, os quais se tornam, por sua vez, visíveis quando projetados sobre certas substâncias fluorescentes, tornando-as brilhantes. No entanto, todos os corpos circundantes, não tendo a mesma propriedade, permanecem na escuridão: assim acontece com os corpos das dançarinas, que criam, fazendo-os mover-se na cena escura, formas e animais fantasmagóricos, estrelas, fogos-fátuos, peixes japoneses, pássaros, borboletas – todo um mundo irreal suscetível de transformar-se infinitamente.

Se acrescentarmos que todas as formas luminosas são adornadas com cores brilhantes, é fácil perceber o partido que pode tirar da luz negra um coreógrafo ou um diretor. E devemos à companhia da falecida Loïe Fuller, que foi a primeira a associar jogos de luzes com a dança, a revelação dessa nova maravilha científica. Suas dançarinas interpretaram, na primeira parte do espetáculo, as melhores composições do seu antigo repertório, e obtiveram um grande sucesso. Tomara que suas novas criações também façam uma carreira tão feliz. Temos tanta necessidade de fantasia!

 

Balés Florescentes

Bolos

Le Soir, 14 de fevereiro de 1938

 

É lamentável que se sirvam do nome de Loïe Fuller para montar espetáculos de uma qualidade tão modesta como o que a Ópera Nacional de Paris consentiu apresentar em seu palco, na noite de quarta-feira. E talvez seja ainda mais deplorável o fato de que a nossa Academia de Dança admita apresentações luminosas que mais de um bom teatro de variedades teria se recusado a mostrar.

Não paro de dizer aqui o quanto admiro os interessantes esforços da Ópera de Paris nesses últimos anos, principalmente no que se refere à dança. Os seus espetáculos de balé tornaram-se brilhantes manifestações artísticas, e cada nova criação é uma interessante pesquisa que representa, na maioria das vezes, uma contribuição valiosa para a dança.

Paralelamente a esse esforço inovador, podemos constatar, quase de mês a mês, o progresso da nossa companhia de balé, da qual podemos hoje nos orgulhar. E é precisamente todos esses felizes e brilhantes resultados que me fazem lamentar a introdução, nos palcos da Ópera, de elementos tão pobres como esses balés fluorescentes. Já tive a oportunidade de vê-los na Sala Pleyel: eram muito menos ruins. Os números eram executados com maior precisão e a escuridão total da sala tornava mais marcante o aspecto fantástico das danças, que é a única coisa a ter ali algum interesse. Porque, em matéria de dança, não há praticamente nenhuma. Trata-se antes de movimentos executados de maneira bem frouxa, sem grande preocupação em ilustrar ou em “seguir” a música, e sem grandes qualidades a destacar entre as intérpretes.

O procedimento é interessante, não há como o negar. A matéria fluorescente dos trajes, sobretudo dos véus, cria um efeito muito curioso. Algumas ondulações no desenrolar de enormes xales franjados de luz são mesmo bonitos. Mas tudo o que se dançou com trechos de música de Grieg, Rimsky-Korsakov, Debussy etc., é sem interesse e tem por único mérito o fato de ser breve.

E volto a dizer: como é que se pode cometer erros assim em um teatro que, em geral, demonstra tanta inteligência artística?

Daphnis et Chloé ficou completamente arruinado pelo uso abusivo que se fez desse novo equipamento de iluminação. Ao menos pode-se avançar a desculpa que, em relação a esse balé, se tentou usar um novo dispositivo instalado na casa. Mas por que introduzir na Ópera esses fluorescentes que lhe são, ainda bem, completamente estranho?

 

Fluorescências: Balés Loïe Fuller com Luz Negra

Raoul Brunel

L’Œuvre, 16 de fevereiro de 1938

 

Não se trata, estritamente falando, de um balé. É uma experiência muito curiosa de física da luz aplicada a figuras e objetos em movimento. Apresentado com sucesso na Sala Pleyel, o sr. Rouché [1], que foi aluno da École Polytechnique [2], teve a curiosidade de reproduzi-la no palco da Ópera de Paris, para o grande deleite do público.

O nome de Loïe Fuller está lá somente para evocar a magia dos trajes de cores cambiantes, que ela nos revelou meio século atrás. Ela dançava sobre espelhos postos no assoalho do palco e que ocultavam projetores cujos raios atravessavam os vidros coloridos, os quais eram constantemente mudados por um operador oculto.

Foi um sucesso enorme e Paris inteira correu ao Folies Bergère. Havia algo de feérico no desdobramento daqueles véus imensos, mantidos por duas longas varas seguradas pela dançarina, que descreviam fantásticos redemoinhos de todas as cores.

Quando conheci a Loïe Fuller, alguns anos mais tarde, a pobrezinha, que teve tanto sucesso no mundo todo, tornara-se quase cega, os olhos queimados pelos projetores sobre os quais dançava todas as noites.

Os mesmos efeitos de véus furta-cores e matizados são obtidos hoje na Ópera de Paris por um procedimento bastante diferente e que parece ser inofensivo.

Os projetores, não mais postos em alçapões, mas nos lados ou no urdimento, enviam raios ultravioletas, isto é, invisíveis. Eles tornam fluorescentes diferentes substâncias químicas com as quais são feitas determinadas cores. Essas substâncias são utilizadas para impregnar seja totalmente, seja segundo desenhos engenhosos, cortinas, véus e roupas usadas pelas dançarinas. É a mesma técnica empregada hoje para detectar falsificações e retoques em quadros supostamente antigos.

No entanto, como esses raios são muito nocivos para os olhos, as dançarinas devem protegê-los com muito cuidado. Por isso, suas cabeças permanecem no escuro. Deve-se, naturalmente, fazer o mesmo com os braços e as mãos. Vemos assim agitar-se, contra um fundo de um negror absoluto, personagens em que percebemos tão somente os trajes – algo como as roupas em movimento do “homem invisível” de Wells. Mas os trajes são belíssimos e são revestidos de desenhos luminosos de uma riqueza extraordinária. É um espetáculo realmente maravilhoso. Nunca se viu nada parecido. Só um poeta para descrever esse sonho colorido e alucinante – como talvez o vejam os consumidores deste cacto mexicano, o iagê, o mezcal, que provoca pesadelos coloridos.

São-nos apresentados sete números, que evocam, alternadamente, uma batalha de vaga-lumes, voos de borboletas brilhantes, erupções de fogos-fátuos, um pássaro fantasma, a dança de um fantoche, o desenrolar de imensas faixas fosforescentes, tudo isso com músicas em que se reconhece o Cakewalk e a Petite Suite de Debussy, a Pavane pour une infante défunte de Ravel, O Voo do Besouro de Rimsky-Korsakov (Sadko), a Marcha Militar de Schubert etc.

É um espetáculo infinitamente curioso e que talvez abra o caminho para combinações decorativas inéditas – embora ele exija disposições excepcionais, não incorporáveis num espetáculo regular.

 

Uma Experiência de Física na Ópera de Paris

Louis Laloy

L’Ère Nouvelle, 24 de fevereiro de 1938

 

Os “balés fluorescentes”, após algumas apresentações em recintos bem menos vastos, acabam de ser admitidos por algumas noites nos palcos da Ópera de Paris. Eles sucedem aos balés luminosos da falecida Loïe Fuller, contemporânea das fontes iluminadas, grande atração da Exposição Universal de 1900, e daqueles tecidos levíssimos, tingidos com as cores vivas da indústria química, que uma grande loja em Paris, com o nome norte-americano de Liberty, colocou então na moda. Aos primeiros, a nova invenção tomava emprestado o princípio da iluminação ascendente, por meio de um feixe de luz que tornava apenas visível a difusão ou refracção de uma matéria interposta; aos segundos, a maleabilidade dos tecidos e, infelizmente, a rudeza das cores. Mas seu talento para desdobrá-los em espirais incandescentes, em volutas deslumbrantes e em labaredas dançantes produzia efeitos maravilhosos.

Loïe Fuller fundou uma escola que lhe sobreviveu e que hoje deseja aperfeiçoar seu método, utilizando equipamentos que a ciência moderna nos oferece. O fenômeno da fluorescência é conhecido há muito tempo. É uma espécie de ressonância, que, por razões desconhecidas, suscita um eco de luz em determinados corpos atingidos por um raio. Mas diversamente do que acontece em acústica, não são mais aqui os sons harmônicos que respondem. Pelo contrário, uma vibração rápida desperta vibrações mais lentas, e é assim que se pode tornar um objeto luminoso ao imergi-lo num feixe de raios ultravioletas, cuja frequência é tamanha, que ela excede o limite da gama bem curta acessível aos nossos olhos. Uma claridade parece então irromper da mais completa escuridão.

Essa é a única novidade do espetáculo. Lâmpadas elétricas, escolhidas dentre aquelas cuja luz é rica em raios ultravioletas (lâmpadas de vapor de mercúrio, por exemplo), são envolvidas por um envelope num vidro especial, chamado vidro de Wood, que deixa passar apenas esses raios. Colocadas em cada lado do palco, elas atravessam-no com suas projeções invisíveis para nós, e os tecidos tingidos de substâncias fluorescentes parecem iluminar-se espontaneamente.

E foi assim que graciosas ondulações de tecidos luminosos desfilaram diante de nós, à maneira de Loïe Fuller, mas executadas, desta vez, no sentido horizontal. Nenhuma dança é possível porque o corpo da artista, não sendo fluorescente, fica num negro total, e temos, deste modo, apenas um balé de pretos numa noite escura. Mesmo se uma maquiagem pudesse conter, sem alterá-las, as mesmas substâncias que as da tintura dos tecidos, a dançarina ainda assim teria os dentes pretos como os de uma anamita, e olhos como buracos de sombra.

Também não é possível trazer para o palco, junto com a radiação ultravioleta, raios de luz que devolvessem aos personagens as suas figuras humanas, pois a fluorescência é muito fraca, e apagar-se-ia imediatamente. Até mesmo para percebê-la, é necessário mergulhar a sala inteira na escuridão. Seria interessante o uso do mesmo procedimento numa aparição fantástica como a dos espíritos na Danação de Fausto. Mas essa aparição permaneceria inexplicável, visto que não se perceberia mais Mefisto, o autor do malefício.

São experiências curiosas essas; mas elas não têm, pelo menos até agora, nenhuma relação com a arte teatral, que exige a presença humana.

 

 

NOTAS

[1] Nota do Tradutor (N. do T.): O “sr. Rouché”, Jacques Rouché, foi diretor da Ópera Nacional de Paris.

[2] N. do T.: Prestigiosa escola de engenharia francesa.

 

 

PARA CITAR ESTA PUBLICAÇÃO

RONDEL, Auguste (Org.). “Recortes de Imprensa, 1938”. Trad. de Fernando L. Costa. eRevista Performatus, Inhumas, ano 5, n. 17, jan. 2017. ISSN: 2316-8102.

 

Tradução do francês para o português de Fernando L. Costa

Revisão ortográfica de Marcio Honorio de Godoy

Edição de Mãe Paulo

© 2017 eRevista Performatus e xs autorxs

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