Manuel Vason: Performance para Câmera

 

Dentro dos movimentos criativos da prática artística, o significado é produzido exteriormente de si. É criado como sua própria necessidade, no lugar do espectador: uma testemunha comprometida. Performance – e especialmente o registro imagético da ‘performance para câmera’ – é marcada por uma perda múltipla. Esta perda é parte de uma morte concebida de um acontecimento ao vivo, que nós como espectadores podemos assistir somente mediada sob a perspectiva da relíquia fotográfica. É também a perda da experiência sob a forma da fratura, a ausência da homogeneidade do sentido em que o encontro não é dado. Em suas parcerias com artistas como Guillermo Gómez-Peña, Franko B, Niko Raes, Ernst Fischer, La Ribot e Helen Spackman, Manuel Vason realizou trabalhos desenvolvidos especificamente para sua câmera. Estes projetos, frutos de colaborações, diferem em princípio da performance convencional da documentação da lente da câmera de Vason; esta é sempre a única testemunha deste extraordinário evento, que também acontece durante a escolha dos artistas em uma locação não-teatral. A documentação técnica de Vason é a ação solitária que abre um espaço discursivo, separando o ato originário de uma ruptura temporal. Sua câmera transpõe a ação de sua dimensão privada para o domínio público em que eu (o espectador do produto final) participo de uma multiplicação da percepção mediada pelo presente privilegiado do ato perdido.

Ao fazer o seu trabalho, o produto fotográfico deve construir a necessidade de ser indefinidamente ligada a uma resposta do espectador. Assim, o trabalho da sua arte é envolver o outro em afetivas retransmissões de resposta com a imagem e este, por sua vez, com o evento perdido. Estas transmissões dependem do conteúdo original, da perturbação visual e da composição imagética. Vason impregna suas imagens com um semblante altamente estilizado, um olhar desenvolvido através de sua formação em fotografia de moda. Este lustro tem efeito duplo: envolve o espectador, mas também garante em seu trabalho a negação do “autêntico” registro do real. Para ler contra as mediações de Vason – para ver o evento presente-efêmero como se fosse ao vivo para nós, como se pudéssemos realmente estar presente para ele – é como lutar contra uma batalha perdida, com a condição fotográfica da performance que ele compõe. Como diriam os antigos: “Você realmente tem que estar lá”, mas você não estava, e este é o estado inevitável do encontro. Então você olha do ponto de vista que lhe cabe, a partir da posição de sujeito esculpido para você: o da testemunha espreitando a prótese da tela oferecida pela impressão fotográfica.

Fotografia é sempre subordinada na performance. Como no ato de escrever, a fotografia depende de uma série de escolhas realizadas bem como no processo criativo: na elaboração (ou retirada) na vontade e juízo estético, gravado no rastreamento dos níveis de luz, de distanciamento e dispositivos de outros enquadramentos. Além disso, o retrato fotográfico inclui um nível adicional de performance, a imitação do sujeito fotográfico na imagem adivinha o que o outro pode eventualmente ver. Richard Avedon, um dos favoritos de Vason, tem afirmado que “Retrato é performance, e como qualquer outra performance, equilibra seus efeitos sendo bom ou ruim, natural ou artificial… E [Ele] parece sugerir exatamente isso da performance, o balanço entre o que é bom ou ruim, o que é natural ou artificial… [Ele] insinua um tipo de artifício que encobre a verdade sobre o espectador. Mas isso não é tudo. O ponto em que se não alcança é a própria ação. A superfície é tudo que se tem”. Esta superfície é a forma criada pelo figurino, adereços, expressão e gesto; daqueles que compõem o nosso comportamento social cotidiano, até as poses radicais e desestabilizadoras atingidos pelos colaboradores de Vason. Estes princípios são a base para o trabalho criado em íntima colaboração com Lisa Cazzato, sob o nome de Officina Humana. Neste, Vason e Cazzato documentam ações, ambos gestos domésticos – como bocejar ou comer –; e os incomuns na vida cotidiana – as intervenções no espaço público, procuram romper os protocolos da vida doméstica registrados no projeto. Assim, a colaboração abriga uma tensão produtiva: o familiar e o mundano são apresentados em uma relação sobrecarregada ao artifício exagerado de uma atividade perturbadora, talvez expondo os processos que trabalham para nos alienar daqueles atos, podemos então reconhecer o não-convencional. O trabalho da colaboração íntima é frequentemente exibido como caixas de luz, adornado por um logotipo e sequências curtas de textos, claramente imitando estratégias de publicidade. Como anúncios, há a falta do produto, Officina Humana comercializa ideias não comercializáveis e, ao fazê-lo, expõe a cultura de consumo como um dos sistemas de produção que de fato produz e mantém hierarquias de conformidade e aceitabilidade.

Manuel Vason e Lisa Cazzato também criaram uma produção fotográfica e exibem um programa intitulado Live Gallery. Este projeto interroga várias formas de comunidades sociais e culturais, reivindicando espaços coletivos como um laboratório fotográfico improvisado ou uma galeria. Os artistas inserem em um espaço e transformam temporariamente o espaço e o público, geralmente tirando fotos de polaroides em alta qualidade e gravando-as nas paredes. O Live Gallery foi instalado em uma piscina pública, hospital infantil, clubes de fetiche, carros de transporte público, caixa central e em outros lugares, no Reino Unido e na Europa. O projeto examina a formação transitória de comunidades e formas experimentais de solidariedade, entre grupos de indivíduos ligados pelo uso de um espaço comum ou de estrutura cultural. Estes participantes exibem suas marcas de sexo, etnia, classe e gênero; e as intervenções, muitas vezes desempenham as características especificamente performativas adotadas pelas pessoas no atendimento.

Comparando as diferentes configurações do Live Gallery, as obras podem ser vistas à partir de seus divertidos comentários, sobre a relativa uniformidade dos sinais de pertencimento adotado ou imposto pelos grupos culturais: aparentemente a singularidade dos populares corpos, no entanto, fez-se de indivíduos de diferença real e irredutível. Apesar das grandes diferenças entre, por exemplo, a ostentação erótica na multidão e a exibição dos boxeadores fálicos, esta oposição corporal aos estilos realizam o mesmo trabalho cultural. Ambos são conscientes da fidelidade a uma ideologia abstrata e tangível através da classificação cultural da performance em identidades perceptíveis.

Os três modos de colaboração desenvolvidos por Manuel Vason são autossuficientes, ainda que, claramente inter-relacionando e sobrepondo os projetos. Como ponto de partida, cada forma de trabalho é baseada em uma série de preocupações mútuas: um desafio para a câmera e fotografia em relação ao indivíduo e a atividade do grupo; uma fascinação com o corpo na câmara e na fotografia em relação ao indivíduo em sua atividade de grupo; uma fascinação com o corpo, em suas múltiplas e radicais diversidades e um interrogatório de novas formas da prática colaborativa. Assim, os processos que sustentam a prática de Manuel Vason são cruciais, assim como raro, pois se baseiam em uma perseguição não da “verdade” objetiva – a verdade dos corpos, identidades, laços culturais ou sociais – mas na elaboração de novas formas de confiança. Confie na parte de colaborar com artistas que seu trabalho terá uma distribuição adequada e com dignidade; confie nos participantes do Live Gallery, e seus vínculos serão respeitados; enquanto os laços feitos pelos integrantes do grupo é, em última análise, uma diferenciada identidade, esta não será reduzida do registro de desumanização do mesmo, e confie no ponto de vista do espectador no produto final, que, em seu lugar, é testemunha de um evento que legitimamente acumula a nossa atenção. Precisamos confiar no evento que há tempos foi perdido, a falta no encontro ao vivo merece uma atenção entre os vivos, que precisa do estar presente para ele, que nos beneficia em se envolver e suportar os eventuais cadáveres fotográficos, para dar um pouco de nós mesmos em troca. Esta confiança marca o anseio por uma mútua passagem que tenta superar a aparente certeza de hostilidade e dor em nossa interação com o outro – as incertezas de marginalização e de outras formas da perda ao reivindicar um espaço para habitar com o outro, consolado pelas possibilidades de manifesto oferecido sob o signo da arte.

 

Dominic Johnson é professor na Escola de Inglês e Teatro, Queen Mary, da Universidade de Londres. Ele é o editor de Franko B: Blinded by Love (2006), e Manuel Vason: Encounters (2007). Suas performances foram apresentadas no Reino Unido no National Portrait Gallery, SPILL FESTIVAL, Chelsea Theatre and Gay Shame (Londres), Fierce (Birmingham), e National Review of Live Art (Glasgow), e, internacionalmente, na Áustria, Croácia, Itália, Eslovênia, França e nos Estados Unidos da América.

 

Tradução de Thais Nepomuceno.

Revisão de Paulo Aureliano da Mata e Tales Frey.  

 

Link para o texto original: 

http://www.manuelvason.com/Essays/Perormance%20for%20Camera.pdf

 

 

© 2013 eRevista Performatus e o autor

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