Maciej Stawiński e o “Teatro humano”, de Rena Mirecka

 

Tradução de Ana Ban.

O artigo original foi publicado no catálogo Rena Mirecka – Teatr Człowieczy. Maciej Stawiński – 30 fotografii z lat 1980-2010.

 

Maciej Stawiński, Rena Mirecka, Wrocław, 1980

 

A fotografia teatral de Maciej Stawiński tem um caráter particular. Ela não documenta espetáculos teatrais nem faz teatro fotográfico – aquele em que certos espetáculos concretos são tratados como performances acabadas (de pessoas e espaço), que, quando registrados e dispostos em um arranjo específico, iriam construir uma narrativa teatral fotográfica específica. Nas fotografias de Maciej, não há jogo que se dá perante a câmera nem que está condicionado pelo olho do fotógrafo que está ali para registrar. As razões para aquilo que vemos acontecer não são fotográficas e têm sua própria lógica interna. Ninguém está posando nem “fazendo” teatro na frente da câmera. Isto sem dúvida resulta da persona da personagem principal destas fotos, Rena Mirecka, que, durante muito tempo, esteve ligada ao Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski. O “Teatro Humano” de Rena Mirecka, que Stawiński acompanha com sua câmera e sobre o qual fala em suas imagens, não é, em primeiro lugar, sobre teatro, mas sim sobre o caráter humano. A artista não trata o espaço em que se move como cenário em potencial, que gostaria de transformar para permitir que algum tipo de espetáculo seja encenado ali. Rena Mirecka revela o espaço humano interno, e é nesta esfera que ela deseja operar; dele, tira energia capaz de transubstanciar o caráter humano e o lugar. Stawiński, que observa as atividades de Mirecka há anos, segue-a nesse espaço autorrevelador. Ele entra com cuidado, agindo com muito comedimento, já que sabe que, em tais regiões, é necessário se mover com delicadeza extraordinária e que um único gesto descuidado pode destruir tudo.

Maciej Stawiński captura a pose da figura e mergulha pessoalmente nas áreas reveladas por Mirecka, para olhar para o personagem principal de dentro do espaço dilacerado pelos rituais que ela exerce – de dentro do espaço ritualístico. As imagens que ele cria, portanto, não são típicos retratos de ator feitos durante o curso de suas atividades profissionais; no entanto – olhando para elas de uma perspectiva diferente –, todas as criações fotográficas de Wrocław certamente nos oferecem, sim, um “retrato” particular da natureza artística e da vida de Rena Mirecka. Isto não é fazer pose para retrato nem se colocar em exibição. Por um lado, essas fotografias são uma documentação honesta de certos acontecimentos que se dão e, por outro, são um registro da reação do fotógrafo ao ritmo específico dos rituais parateatrais que são conduzidos em sua presença (e com sua participação). Stawiński é um participante, ele está no centro, ao passo que, ao mesmo tempo, não deseja que sua presença altere nem determine o que está acontecendo. Rodeado por pessoas, imerso em tudo que está acontecendo, ele não se impõe com sua presença. Ele é invisível. Essa meia distância específica se manifesta em suas fotografias. Objetos de cena, locações e figurino não são importantes aqui. São meramente inevitáveis acessórios, mas essencialmente muito insignificantes. É como se fossem um vestígio do tempo passando ao redor e se prendendo à esfera construída pelo ritual. O que realmente conta é a energia que emana de Rena Mirecka, a energia que cria o espaço. Temos a impressão de que a própria presença da artista – graças a uma magia estranha e benevolente – define este espaço, ou melhor, redefine-o momento a momento: com concentração e gestos; gestos construindo ou destruindo as relações com as outras pessoas ali presentes; gestos que abrem ou fecham o espaço.

 

Maciej Stawiński, Rena Mirecka, Amelia, 2003

 

Apesar de as fotos terem sido feitas em momentos diferentes e em diversos locais, nas imagens de Stawiński, o mundo parece ter sido arrancado para fora do tempo. Está além do tempo ou, de qualquer forma, tem seu próprio tempo-espaço. O espaço do ritual tem seu próprio tempo, seu próprio ritmo temporal. Mirecka se transforma – seu rosto, seu corpo –, mas estas mudanças parecem resultar da estrutura interna secreta dos acontecimentos. Ela aparece para nós como uma sacerdotisa ou xamã, e as pessoas a seu redor buscam estar próximas a ela, necessitadas de sentir seu toque e de se submeter a ele com voracidade e gratidão. O fotógrafo sabe perfeitamente bem como extrair e mostrar esta energia que emana de Rena: sempre há uma profundidade de foco nela e composição de imaginário organizado a seu redor.

A narrativa fotográfica de Maciej Stawiński não tem estrutura linear. O que vemos é mais uma forma esférica, um tipo de círculo visual. As fotografias são colocadas em sequências nas quais o ritmo interno é fixado pela distinção da proximidade e da distância ou pela dinâmica que se dá dentro do conjunto de eventos (movimento paralisado por meio da fotografia e momentos de espera e paralisação). O espaço de sequências específicas, em que sentimos uma espécie de ordem cinematográfica ou musical, é organizado ao longo de um eixo vertical (geralmente compreendido pelo corpo de Rena Mirecka) ou se abre na horizontal, atraindo-nos a seu interior.

 

Maciej Stawiński, Rena Mirecka no Laboratório Karawanasun, Brzezinka, 2012

 

Maciej Stawiński não se iniciou na fotografia com uma teoria fechada que usaria para ilustrar as fotos que tira. Os grupos específicos de imagens constituem um registro de sua reação intuitiva a uma situação. Ao penetrar no ritual, tornar-se participante testemunha dele, ele precisou permitir que o ritual criado por Rena Mirecka de algum modo mostrasse uma reação por meio dessas fotografias. Ao mesmo tempo, a artista também coloca o público no papel de participante e testemunha do ritual, cujo sentido deve surgir no decurso desta participação – um sentido ao qual todos devem chegar de modo individual, usando sua própria intuição –, ao descobri-lo e determiná-lo com suas próprias emoções e fazendo que passe a ser uma pequena parte de si mesmo.

 

 

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