Loïe Fuller – Marie Curie e Thomas Edison: Danças do Rádio e dos Sais Fosforescentes

 

Loïe Fuller, Fotografia de cena por Benjamin J. Falk. Nova York. Aparição no escuro com uma única fonte de luz no chão sob seu vestido fosforescente. 1896. Emulsão de gelatina e brometo. (Coleção Adrien Sina)

 

Loïe Fuller, Radioatividade e Fosforescência

No final do século XIX e começo do XX, a competição científica entre pesquisadores norte-americanos e europeus leva a um certo encobrimento das descobertas sobre a radioatividade. Para os norte-americanos, a radioatividade continua a ser um estado particular da fosforescência, e a dimensão das experiências feitas por Pierre e Marie Curie lhes permanece desconhecida. Os dois manuscritos inéditos [1] preparados para uma conferência de Loïe Fuller sobre o elemento químico Rádio, respectivamente de 42 e 29 páginas, datados de 1907 e 1911, fornecem valiosos esclarecimentos sobre as trocas de ideias entre ela e Thomas Edison, em Nova Jersey, depois com Marie Curie, em Paris. Fuller, sempre à procura de novas formas de luz para integrar às suas danças ou aos seus vestidos, esmiúça as duas teorias, desenvolve intuitivamente hipóteses bem mais sólidas do que as dos seus compatriotas que ficaram nos Estados Unidos.

O primeiro manuscrito evoca sua primeira visita aos laboratórios de Thomas Edison, por causa, em primeiro lugar, do seu interesse pela eletricidade e, em seguida, pelas experiências dele sobre a fosforescência, fenômeno confusamente atribuído por Edison à radioatividade. Em 1896, ela impregnou o tecido de seus trajes de cena com sais fosforescentes que Thomas Edison lhe tinha confiado. Ora, a fosforescência era apenas um estado da matéria reemitindo uma luz armazenada após uma exposição à luz natural ou artificial. Loïe Fuller era mais fascinada pelo Rádio – este novo elemento atômico que Marie Curie concentrou em seu trabalho (condecorado com a Medalha Davy em 1903), e que é capaz de uma emanação limpa e constante, sem contributo energético exterior.

Mas esse fascínio de Fuller foi quando ela soube que as radiações do Rádio são muito pouco visíveis, e as quantidades de Rádio extraídos de toneladas de minério de pechblenda, quase infinitesimais. É preciso somente do espintariscópio, inventado por William Crookes, para observar as cintilações das emissões radioativas (emissão alfa) durante o seu impacto em uma pequena tela coberta com sulfeto de zinco, traduzida por uma certa fluorescência observável pelo aumento, na outra extremidade, de um tubo óptico.

Apesar de uma grande prova de amizade e de uma apresentação que Loïe Fuller oferece especialmente a eles, os Curie se recusaram a emprestar-lhe o Rádio, provavelmente para manter o segredo de suas pesquisas até a obtenção do Prêmio Nobel, em 1911. Ela nunca realizou, portanto, seu sonho de uma Dança do Rádio, que, de resto, nunca poderia ser criada por quaisquer meios científicos, pois, para que a qualidade do efeito do Rádio ocorra em cena, há a necessidade de se emitir uma luz visível o suficiente para ser percebido por uma plateia em uma sala escura. Em todo caso, suas experiências com a luz negra e a fosforescência já tinham um impacto muito mais intenso do que se poderia ter esperado dessa quimera radioativa.

 

Loïe Fuller, Excertos de ‘Palestra sobre Rádio’, Projetos A & B, 1907-11. The New York Public Library for the Performing Arts – Jerome Robbins Dance Division

 

Uma Nova Dança Luminosa

Loïe Fuller Inventa um Novo Vestido Capaz de Iluminar um Teatro. Jornal The New York Times.

Londres, 28 de janeiro de 1911. – A senhorita Loïe Fuller, criadora de “danças luminosas”, está agora em Londres realizando palestras sobre o elemento químico “Rádio” e “demonstrando” um novo vestido, resultado de seu estudo sobre sais fosforescentes. Esse vestido emite a luz necessária para que qualquer pessoa na plateia possa ler um jornal sem que se exija qualquer esforço dos seus olhos. Na verdade, essa luz é suficientemente intensa para iluminar um teatro inteiro. No início, ela é de um violeta profundo que muda para o azul e finalmente torna-se um deslumbrante branco. Quanto ao Rádio a ser utilizado para efeitos cênicos no palco ou em suas danças, a senhorita Fuller diz que o elemento novo é inútil para essa finalidade. Ela estudou Rádio sob a orientação do conhecido cientista M. Janin, tendo sido levada a esse estudo pela senhora Curie, que é sua amiga. Loïe Fuller tem um laboratório no Quartier Latin, em Paris, onde realiza suas pesquisas não somente sobre o Rádio, mas também sobre os sais fosforescentes de que se utiliza para suas danças.

 

Loïe Fuller, Palestra sobre Rádio, Projeto A

1. Primeiro vou explicar-lhe como passei a me interessar pela matéria radioativa. Quando comecei a dançar em uma das minhas visitas à senhora Jak, fui levada para encontrar-me com o senhor Edison, […] em seu laboratório […], onde pesquisas eram feitas sobre a matéria radioativa. Cheguei ao laboratório interessada pela eletricidade e fui embora de lá cheia de desejo por saber mais sobre a maravilhosa luz produzida por sais fosforescentes. No laboratório do senhor Edison, havia vários químicos que preparavam estes sais a partir de ácidos. Pequenas tigelas de vidro eram dispostas em prateleiras e mesas compridas e os homens banhavam os cristais quando estes se formavam.

2. O senhor Edison me explicou que muitos desses cristais produziam cor quando iluminados. Pesquisas e experimentos eram feitos para encontrar-se uma combinação entre ácidos que produziria uma luz incolor, a cor sendo um grande fator contra a transparência, […] – a transparência é da maior importância no uso de raios-X. O senhor Edison me levou a uma sala escura onde me mostrou os raios-X. Em prol daqueles poucos que não tiveram a chance de ver, explicarei com o que se parecia aquilo que vi. Era uma pequena caixa com uma alavanca por baixo – exatamente como aquelas em que temos uma visão estereoscópica. Porém, havia uma parte superior, de forma que ela era completamente fechada. Eu imediatamente quis saber o que havia no interior da caixa. Bem…

3. Dentro dela, em vez de uma imagem, havia uma parede de algo branco que parecia como se um sal de cozinha tivesse sido colado nela. Do lado de fora da caixa, logo atrás, havia uma espécie de lâmpada elétrica verde bem pequena; ao menos a luz no bulbo era verde. Até que essa luz fosse acesa, tudo parecia escuro dentro da caixa. Enquanto o senhor Edison me explicava que a parede na caixa estava coberta de sais fosforescentes que absorviam a luz como a areia faz com a água, os sais se iluminaram. […] Não foi o esqueleto de minha mão que despertou interesse completo por ela até meus dedos, enquanto a mantinha firme entre a estrutura bulbo luz e a estrutura caixa, e fiz a carne ao redor do osso tornar-se um véu.

4. Não, não era o esqueleto da minha mão que me interessava em absoluto. Era a luz. Eu poderia permear um vestido com estes sais maravilhosos e, no entanto, como eu poderia dançar com uma lâmpada me acompanhando? Eu queria saber se os sais podem reter a luz como a areia faz com a água. […] Seu brilho durou dois minutos cravados, quando começou a desaparecer. Eu os observei por meia hora e eles ainda tinham uma luz tênue, muito tênue, cujo fato não é atribuído à presença incalculavelmente pequena ou remota de vestígios de Rádio, cujos traços foram descobertos

5. onde se encontravam estas substâncias fosforescentes chamadas de grupo do estrôncio […] Expliquei ao senhor Edison a ideia de espalhar os sais em um vestido e deixei com ele um grande lenço para que ele fizesse a experiência. Eu nunca soube daquele resultado porque, alguns anos mais tarde, durante outra visita a Nova York, descobri que ele havia desistido de seu laboratório já que os resultados prejudicaram muito os homens que trabalhavam com os ácidos e os raios-X. Ainda não havia feito nenhum experimento próprio em Fosforescência, mas ainda estava bastante interessada. Eu era sempre inundada pela luz e queria dançar sem ela.

6. […] Instalei uma oficina própria em Paris, mas não para criar fosforescência. A oficina parecia-se mais com aquilo que agora conheço como laboratório, onde, além de trabalhar com todos os tipos de máquinas estruturais para a produção de raios de luz, ocupava-me em transformar aquelas fantásticas cores, harmonias de tonalidades mudando de forma através do aumento da decomposição da matéria cor a partir da combinação química entre os sais das lâminas de vidro, através da qual se projeta a luz.

 

Loïe Fuller, Palestra sobre Rádio, Projeto B

1. A ciência é, como todos nós sabemos, a descoberta dos fatos na natureza, de como esta revela suas verdades para nós. Ela abre as portas do entendimento e da razão! Aquelas coisas que são vistas como irreais, sobrenaturais, a ciência prova uma por uma serem resultado de causas naturais, tudo parte deste mundo e de seus produtos. O mais avançado fato “irreal” foi capaz de trazer o telégrafo sem fios.

3. A descoberta do Rádio não foi – como geralmente são as descobertas – o resultado de um acidente. Porém, foi um acidente sim na medida em que representou um resultado inesperado de uma longa e tediosa pesquisa química por parte do senhor e da senhora Curie. O resultado final foi encontrado

4. pela própria senhora Curie. Ele é consequência da separação e da redução da matéria à menor quantidade possível. É bem sabido que existem certos materiais que, quando expostos a uma luz forte (artificial ou dia) tornam-se luminosos, e a senhora Curie descobriu que, quando este sal da terra luminoso ou fosforescente abunda […] elementos em quantidade mínima são iluminados sem entrarem em contato com qualquer luz. Além disso, eles têm a característica de tornarem tudo em sua presença mais luminoso… Estes materiais fosforescentes ou sais são encontrados em pechblenda. A pechblenda é a terra que contém o urânio (eu posso dizer aqui que o urânio é aquela substância no interior das lâmpadas elétricas que são utilizadas em todos os lugares).

5. o Rádio é mantido em um tubo de vidro – um de quartzo – um de metal – […] a fim de reafirmar seu poder…

8. O casal Curie logo descobriu que estava em posse de algo invisível que tinha a ver com forças até então desconhecidas como material. Ali havia algo que começava a dar prova das coisas, o Rádio começou a abrir as leis do Universo e mostrar aquilo que a ciência nunca havia sido capaz de explicar. Ele mostrou que a ciência tinha baseado seus cálculos em algumas teorias completamente erradas. Mostrou-nos a desintegração do átomo, fato que muda toda a concepção que o homem tinha da matéria e das forças, inclusive possivelmente a gravitacional. Sua existência e sua influência se opõem diretamente à lei de causa e efeito. É o poder da luz iluminando as coisas, o poder do aquecimento, da queima, todas leis da natureza como as conhecemos. Na luz, o Rádio assemelha-se um pouco ao sal de cozinha.

9. No escuro, parece um pouco com um peixe em decomposição. Sua luz é de uma fosforescência morta – (?) de halo transparente, como a luz de uma mesa que incide sobre o vidro fosco, não há raios visíveis. Ninguém, ao vê-lo, sequer sonharia com o poder deste insignificante tubo de dez ou doze polegadas com sua tênue luz fosforescente, mas ele é sempre iluminado e esta é uma de suas maravilhas! De onde ele obtém sua luz e do quê? Ninguém sabe. Produz calor de onde? De quê? Ninguém sabe. Essas evidências são contrárias à lei de causa e efeito. A ciência está perplexa.

17. Rádio versus Eletricidade

Se quantidades suficientes de Rádio fossem encontradas e utilizadas para fins de iluminação, ele poderia revolucionar a nossa ideia e maneira de usar a luz, e também poderia mudar a nossa própria maneira de viver. A luz fosforescente é maravilhosa por intermédio da matéria radioativa.

17. O professor [William] Crookes, eminente cientista inglês, descobriu algo através do uso do Rádio de grande interesse e de importância ainda maior. Ele concluiu que o Rádio pode então iluminar determinadas substâncias que, com o auxílio de uma lupa […] Pode-se observar que os átomos são na realidade não átomos, mas uma energia intensa e concentrada. A senhora Curie fez a medição dessa energia ou força e seu suposto cálculo é de dois mil quilômetros por segundo (e isso seria […] É estranho como o homem pode fazer cálculos matemáticos que estão muito além de sua compreensão, fato que pode sugerir que a compreensão e o cérebro são duas coisas distintas).

21. O professor [William] Crookes inventou um pequeno instrumento chamado espintariscópio em que pode ser vista uma substância fosforescente que acredito ser o Bário, distribuída por uma pequena superfície chamada tela no final de um tubo e iluminada por uma quantidade invisível de Rádio mantida diante desta tela por uma mão que se assemelha à de uma bruxa. Nesse pequeno instrumento, pode ser vista, pelo olho natural, a prova da absoluta falsidade da teoria do átomo. Os átomos estão sempre se desintegrando. O Rádio apenas os ilumina para que o olho humano possa vê-los.

 

 

NOTA

[1] Loïe Fuller, ‘Palestra sobre Rádio’, Projetos A & B, 1907-11. The New York Public Library for the Performing Arts – Jerome Robbins Dance Division.

 

 

O texto Loïe Fuller – Marie Curie e Thomas Edison: Danças do Rádio e dos Sais Fosforescentes, escrito pelo colecionador e curador Adrian Sina e traduzido para língua portuguesa por Fernando L. Costa e Leonardo Soares, foi originalmente publicado em língua francesa (primeira parte) e inglesa (segunda parte) no catálogo da exposição Feminine Futures pela editora Les presses du réel. Adrian Sina é responsável pela curadoria da exposição e editor da publicação realizada em 2011.

 

PARA CITAR ESTE TEXTO

SINA, Adrien. “Loïe Fuller – Marie Curie e Thomas Edison: Danças do Rádio e dos Sais Fosforescentes”. eRevista Performatus, Inhumas, ano 4, n. 15, jan. 2016. ISSN: 2316-8102.

 

Tradução de Fernando L. Costa e Leonardo Soares

Revisão ortográfica de Marcio Honorio de Godoy

© 2016 eRevista Performatus e o autor

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