Performance como Processo: Práticas de “Embodiment” à Distância

 

O projeto visa abordar práticas no desenvolvimento de estruturas que potenciem encontros entre localizações remotas como modelo sustentável de produção artística, em que o ecrã define o lugar da ação e o conteúdo é sujeito a um sistema de transformação direta, produzindo um objeto artístico mediado, transmitido e arquivado como tal.

 

LAND PROJECT foi iniciado em agosto de 2013, e é uma colaboração entre Lisa Parra e Daniel Pinheiro.

 

Trabalhando a partir de localizações remotas, o meio, neste caso a internet, é o veículo de comunicação. Ao longo das suas primeiras interações, ambos os artistas sentiram um processo de disembodiment [1] através das práticas corporais e de movimento que eram aplicadas nos seus encontros. O que foi, inicialmente, o ponto de partida, rapidamente se transformou no objetivo da sua investigação e pesquisa.

 

Quais são as possibilidades de agir no espaço híbrido da Internet?

 

Recorrendo à tecnologia, a colaboração artística entre ambos cresceu e transformou-se numa relação feita de pequenos encontros que consistem em ativar soluções a perguntas que surgem de encontro anterior.

 

Ver em: https://youtu.be/OUU5klwk0kA

 

Um ano após o seu primeiro encontro online, no âmbito da MetaAcademy [2], que consistia em seguir a versão adaptada para o meio digital do método de Nancy Stark Smith – Underscore [3] –, ambos os artistas prosseguiram na colaboração. Inicialmente procurando trabalhar a redefinição e reapropriação de conceitos como “toque” e “contato” (ainda num contexto mais alargado de efetuar o mesmo trabalho sobre conceitos mais latos como “tempo” e “espaço”), e transformando esses momentos em encontros guiados por instruções, em que o espaço e ação de cada um eram modificados através de um conjunto de diretrizes, uma narrativa/diálogo não linear, um aspecto muito presente no trabalho de Lisa Parra.

Mais tarde os encontros “cara a cara”, onde a visão era um componente fundamental para ativar a sensação de presença, passaram a incluir práticas de composição em tempo real em que o corpo e os movimentos eram constantemente sujeitos a uma contínua transformação, recorrendo a canais de webRTC (Real-Time Communication), e o ecrã se define como uma tela onde o processo se materializa, permitindo que “realidades distantes formem partes contingentes de uma imagem única” [4] (Lev Manovich, The Language of New Media).

 

Como percebemos o “outro” nesse espaço?

 

O processo de perceber o “outro” através da ação telemática é o núcleo desse projeto cuja forma sustentável permite que aconteça de forma regular e constante. A criação ocorre dentro do espaço do ecrã, num díptico transmídia no qual dois corpos se movimentam num ambiente híbrido onde o tempo e o espaço se estendem, expandem e se fundem numa divisória que permite essa mesma dicotomia.

 

O espaço arquitetônico da rede é uma conjuntura de mediação. É um espaço de dispositivos, arranjos e circunstâncias onde as ações têm lugar. Essas ações são, em certa medida, mediadas pela conjuntura determinada pelo espaço. Contudo, essa mediação não é pré-programada. Ela deve ser pensada enquanto contexto, uma conjuntura em movimento que está numa relação aberta com as ações: a conjuntura de mediação determina a ação porque é o seu contexto: ao mesmo tempo, no entanto, é também determinada pelas ações que causam sua modificação e produzem o seu movimento.

– Marcello Vitali-Rosati [5]

 

A relação continua a desenvolver-se após um encontro apresentado ao vivo, em setembro de 2014, em Portugal, no âmbito do Festival MAP/P 2014 [6]. Uma experiência impossível de qualificar e que, em última análise, é prova do capital humano envolvido nesse ou em outros tipos de colaboração. Entre os artistas, o sentido de propinquidade, já desenvolvido ao longo de várias conversas, discussões, reuniões/encontros aleatórios e de trabalho, foi materializado “lado a lado”, permitindo expandir o conhecimento entre ambos fora do ecrã.

 

LAND PROJECT | Uma série de encontros entre Lisa Parra e Daniel Pinheiro. Investigação sobre as possibilidades de performance no espaço da mediação. Ver em: http://landproject.tumblr.com

 

ONLINE – LIVE – ONLINE

Ainda que “lado a lado”, no âmbito do MAP/P 2014, o ecrã continuou a ser o espaço para a interação entre ambos e, ainda que a visão periférica, que permitia a percepção do “outro”, fosse uma barreira a ultrapassar e incorporar, a ação continuou a ser telecompartida com Nova York, com a colaboração de Nery Lady Nora, adicionando uma camada de transformação a tal encontro, transformando-o num circuito fechado através da transmissão ao vivo de som e vídeo. As imagens e o som capturados através de webcams eram enviados, manipulados e enviados de volta transformados, permitindo aos performers interagir com essa transformação direta, provocando alterações inesperadas ao seu próprio movimento, modificando a sua própria percepção e presença dentro e fora do ecrã; criando, ao mesmo tempo, a produção de um objeto novo na própria performance que estava a ser desenvolvida em tempo real. “É esse processo de transformação, e não o resultado, que dita a magia do momento, a realidade misteriosa que permeia toda a realidade” [7].

A possibilidade de criar um objeto através da manipulação direta ao vivo, seja em formato de videoarte ou a simples transmissão de um encontro (tal como aconteceu mais tarde em outros encontros) serve como exemplo de uma estrutura de interação em que os objetos resultantes procuram estar intrinsecamente ligados ao meio e surgem como diferentes materializações da investigação em curso nesse projeto.

O ecrã enquanto espaço de ação; o processo de mediação como performance em que o conteúdo é gerado através de um dispositivo no qual a transformação acontece em tempo real; um ambiente telecompartido onde os participantes (nesse caso a equipa artística) desenvolvem uma estrutura que procura permitir a mediação, transmissão e arquivo em simultâneo, podendo atingir diferentes públicos e multiplicando a coexistência de eventos; um dispositivo que traduz a montagem espacial quer no ecrã quer nos locais remotos. 

As diferentes possibilidades materializadas até agora continuam a fazer parte de um processo de investigação e questionamento em que se vão adicionando perguntas a um fluxo de pensamentos que dá corpo a essa relação e permite que cada encontro seja um momento performativo no sentido de seguir uma estrutura previamente acordada; a criação de um espaço não linear, mas que tem um contexto que surge através de um entendimento intuitivo.

O diálogo de LAND PROJECT estende-se para lá do que definimos como online, e é o elo de ligação entre, pelo menos, dois indivíduos que encontram nesse lugar um espaço para questionar o “existir” ou, de certa forma, trabalhar na ideia de “como existir” se, ambos, ação e espaço, são simultaneamente objetivos e relativos. Conscientes de que objetivismo e relatividade fazem parte do processo, enquanto espécie da raça humana damos liberdade ao instinto animal para criar e incorporar a complexidade de uma sociedade como parte daquilo que somos, que também cria propósito, curiosidade e desejo.

 

NOTAS

[1] “Embodiment”: forma tangível ou visível de uma ideia, qualidade ou sentimento.

[2] Meta-Academy é um laboratório de pesquisa, online, para práticas de criação contemporâneas no contexto digital. Ver em: <http://www.dance-tech.net/profile/MetaAcademyLab>.

[3] “Underscore”, de Nancy Stark Smith é “uma estrutura organizacional para um grupo de dançarinos que querem improvisar juntos ou, neste caso, sozinhos, compartilhando os resultados através de uma web cam, ao vivo, imagens e histórias”. Ver em: <http://thinkingdance.net/articles/2014/06/24/Marlon-Barrios-Solano-Drawn-to-the-Screen>.

[4] MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Cambridge: MIT Press, 2002.

[5] VITALI-ROSATI, Marcello – Professor Assistente de Literatura e Cultura Digital – Departamento de Literatura / Universidade de Montreal.

[6] MAP/P – Mostra de Processos Criativos (Setembro, Porto, Portugal – 2014).

[7] Recipes for an Encounter / editado por Marisa Jahn, Candice Hopkins, Berin Golonu. Publicado como parte da exposição “Kits for an Encounter” (Western Front, 25/04 – 31/05, 2008). Ver em: <http://www.studiorev.org/download/RecipesForAnEncounter.pdf>.

 

 

PARA CITAR ESTE ARTIGO

PINHEIRO, Daniel; PARRA, Lisa. “Performance como Processo: Práticas de “Embodiment” à Distância”. eRevista Performatus, Inhumas, ano 3, n. 14, jan. 2015. ISSN: 2316-8102.

 

Revisão ortográfica de Marcio Honorio de Godoy

© 2015 eRevista Performatus e xs autorxs

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