“A relação entre pintura e performance foi uma constante preocupação no desenvolvimento de performances da Bauhaus”. [1] (RoseLee Goldberg, 2001).
A performance/Arte andou, desde os seus primórdios, de mãos dadas com os outros meios de expressão. Se pensarmos nas origens do termo happening, da sua performatividade, lembramo-nos da dança de Pollock enquanto ele pintava, e já se sussurrava a palavra performance. Quando relembramos a Black Mountain College na Carolina do Norte, vemos a reminiscência do surgimento do happening e de como todos os meios de expressão naquela escola se influenciavam e se inter-relacionavam, à semelhança da dualidade formada entre John Cage e Merce Cunningham. É óbvia a relação crescente entre pintura e performance nos anos de 1960, seja através da dança sugestiva de Pollock, passando pelo francês Yves Klein. Na obra de Yves Klein, mais uma vez denotamos o duplo dialeto entre pintura e performance.
“Elas se tornaram pincéis vivos… na minha direção, a própria carne aplicava a cor na superfície e com exatidão perfeita” [2] (RoseLee Goldberg, 2001).
O papel do corpo é fulcral na performatividade de Yves Klein, embora com a especificidade da impressão, o intuito do pincel, a réplica do corpo na tela, enquanto objeto pictural que pode ser codificado.
Outro artista que revela obsessão pela pintura e performance é Jim Dine, em sua peça The Smiling Workman, apresentada em Nova York, na Judson Church, em 1960. Nessa performance, Dine bebe tinta e usa partes do corpo para pintar na tela a frase “I love what I’m …” (Eu amo o que sou). Essa é uma das performances que foram revisitadas em uma exposição da Pace Gallery, na cidade de Nova York, em 2012. Os registros de diversas performances e happenings do final da década de 1950 e começo da de 1960 estavam presentes na exposição Happenings New York, 1958-1963.
Percorrendo a mesma linha de pensamento sobre a importância, influência e reciprocidades existentes entre a pintura e a performance, analisei diversas feiras de arte de Nova York, num trabalho em que reuni pesquisa, análise e reflexão crítica. Recolhi dados das seguintes galerias e feiras: Armory, Affordable, Fountain, Fridge, Independent, Moving image, NADA, Pulse New York, Pool New York, Scope, Verge e Volta. Nesse trajeto, encontrei Mina Cheon na Pulse New York. A artista assume, através do seu trabalho, a personificação de uma identidade, ou seja, transforma-se numa personagem que é uma artista da Coreia do Norte. No stand da Galeria Ethen Cohen (NY), ela personificou uma personagem fictícia que se apresentava da seguinte maneira: Kim Il Soon: Lieutenant Colonel Naval Commander; Devoted Citizen of DPRK and Painter (Kim Il Soon: Tenente Coronel e Comandante Naval; Devotada Cidadã da República Democrática da Coreia e Pintora). Seu projeto de pintura tinha o objetivo de democratizar e obter a reunificação da Coreia. Segundo a artista, “Todo este projeto de arte é performance, tudo, desde a persona criada à pintura. Mas o que não é performance?” O aspecto mais interessante desse trabalho é a noção de que a pintura pode ser performática, uma vez que, geralmente, isso não é a primeira coisa que vem à mente quando pensamos nesse meio de expressão. A Action Panting também é performática assim como muitas performances que incluíram pintura e corpo em suas apresentações. Em muitos aspectos, todos os meios de expressão entram em jogo quando há criação em um trabalho artístico. Pode-se afirmar e considerar a pintura em particular e no contexto desse projeto de arte e performance que consiste e é a essência de Kim IL.
Se olharmos para a atividade artística, política ou pop em uma série anterior de Mina Cheon, pode-se ver um conjunto de meios de expressão sendo usados para produzir esse corpo e trabalho. Como artista de novas mídias e vivendo num mundo saturado de mídias, assumir múltiplas identidades não só é comum atualmente, mas é a única maneira viável de expressar a premissa de não haver uma única identidade, nem tão pouco uma identidade fixa, nem a possibilidade de identidade ou arte. Enquanto houver uma mensagem para transmitir, a performance faz sentido, à semelhança de qualquer diálogo cultural, social, político e artístico que envolva dois seres humanos. O projeto Kim Il Soon de Mina Cheon é uma performance-teatro e uma boa maneira de fazer a ponte entre política, cultura popular e arte contemporânea com legibilidade e significado político para o ato de pintar como uma artista digital.
Botton que faz parte do projeto performático de Mina Cheon. Fotografia de Beatriz Albuquerque
Pensando na interação da pintura como meio de expressão e a performance, podemos nos remeter para o agora, e efetuar algumas questões que, após estes anos todos, ainda subsistem. No mundo de hoje, como a performance é abordada através do uso de outros meios de expressão?
É claro que em todo o processo de criação de uma performance existe estudos, desenhos, fotos ou vídeo de documentação da performance em si. Mas como o artista vê o seu próprio trabalho e os diferentes meios de expressão usados, que interagem em sua obra performática?
Partindo dessa questão selecionei como campo de pesquisa a cidade de Nova York e as inúmeras feiras de arte, que podemos considerar mesmo como uma extravagância numérica, que existem no decorrer de fevereiro a maio. Analisamos e consideramos que o intuito é de encontrar artistas/performers que abordem a performatividade com outros meios de expressão e espaços.
Na procura por um artista ou performer que explore a performance/arte, ou a performatividade em sua obra de arte, e que fale abertamente acerca disso em conexão com outros meios de expressão, na Volta NY Art fair (2012) destaca-se o artista Mohau Modisakeng, que mostrou um conjunto de registros fotográficos de suas performances em grande escala no stand da Galeria Brundyn+Gonsalves (Cape Town). As fotografias representavam momentos performáticos em que o próprio registo fotográfico estava impresso em escala real, dando importância e ênfase à performatividade e ao carácter performático das fotografias. Nesse contexto, o artista explora os vários sistemas sociais que examinam a comunidade humana assim como a subjetividade da história da África do Sul. Através das suas peças fotográficas, consegue-se ver que uma peça utilizada numa performance é, ao mesmo tempo, uma escultura e um adereço na fotografia exposta.
Dan Finsel, The Space Between You & Me: Kiss me and tell me you love me…don’t make your lips tight. They always make their lips tight, 2010
O caráter performático de uma fotografia permaneceu como ponto fulcral de atenção na minha pesquisa, destacando-se o artista Dan Finsel, que se encontrava apresentando suas obras na Galeria de LA, Richard Telles, na Feira de Arte Independent. Dan Finsel mostrou um conjunto de trabalhos que exploravam performances, com um caráter íntimo e individual, expostas ao público só através dos registros fotográficos, que trazem memórias que perduram através da evocação de uma simples imagem. Quando confrontado a um conjunto de perguntas, o artista responde:
BEATRIZ ALBUQUERQUE: Qual é o papel da performance no seu trabalho artístico?
DAN FINSEL: Pode-se dizer que a performance é um envelope e um papel que vai dentro dele, onde o corpo em que o meu ser físico é utilizado como veículo artístico. Tudo o que é produzido em qualquer momento pode não ser necessariamente verdadeiro. Eu gosto de pensar sobre os objetos reais que crio ou sobre os vídeos que produzo como sendo as pinturas que foram produzidos para o filme Pollock; meras representações de arte ou de produção artística. Performance ou processo é talvez a única parte do processo criativo que tem a integridade artística enquanto existência pessoal.
BEATRIZ ALBUQUERQUE: Você poderia me falar sobre como diferentes meios de expressão interagem no seu trabalho artístico, dando ênfase ao trabalho apresentado na Feira de Arte Independent?
DAN FINSEL: Um meio de expressão específico é reduzido de um grupo de termos hipotéticos conceitualmente apropriados. Dependendo de alguma direção metafórica ou metonímica que o item deve ter para chegar ao efeito desejado, uma escolha é feita. Na terceira pessoa, posso escolher isto por aquilo, ou aquilo para isto. Quando estou pensando em primeira pessoa, nesse caso respondo de forma intuitiva, ao tomar uma decisão natural que refletiria as motivações da subjetividade que habita em mim.
Dan Finsel, “Provate Moment Exercise” Room: Shameless Secrets from My Past (Hypothetical Theatrical Set), 2011. Fotografia de Clifton Benevento
Através do corpo surge a performance. A vida é um espetáculo, uma performance na qual a forma como lidamos com ela, o que fazemos com o corpo transmite uma comunicação não verbal mas essencial à nossa percepção do nosso meio envolvente. (Guy Debord, 1994).
Em muitos casos, a documentação da performance é o que fica como objeto de arte, e é nessa interatividade efêmera que a performance vive.
Tendo consciência desses momentos nas diversas feiras de arte na cidade de Nova York, ainda encontrei Lawrence Malstaf, da Bélgica, na Volta Feira de Arte. Tivemos uma conversa vibrante acerca da instalação sonora e performática em que ele convidava as pessoas a interagirem com a peça no stand da Galerie Fortlaan. Lawrence Malstaf mostrou uma instalação através de música e de vibrações de som que afetavam os objetos ao redor.
Disse que realizava, nesse trabalho, uma mistura de teatro e performance com uma instalação em que os meios de expressão escolhidos têm como objetivo afetar outros objetos no espaço. Posso descrever, como exemplo, que a instalação na feira fazia as cadeiras que estavam no centro vibrarem e mudarem de som, criando um espaço visual e sonoro único. Lawrence Malstaf mencionou como misturava e associava performance e escultura dando também como exemplo a peça Shrink, de 1996, na qual ele permanecia hermeticamente fechado em um saco de plástico, suspenso no ar, respirando por meio de um tubo. Na galeria, esse trabalho foi apresentado como uma escultura, um objeto, como uma performance, uma emergência do momento.
Em março, e na absoluta loucura das feiras de arte, encontrei Bryan Zanisnik na Moving Images Art Fair, com um vídeo no stand da Chicago Aspect Ratio relacionado às suas performances. O vídeo é uma documentação performática, pois explora os meios expressivos performance, vídeos e instalação numa perspectiva biográfica, abordando sua própria vida. Nessas formas artísticas assistimos a uma outra abordagem em que a performance pode ser explorada na multiplicidade de meios expressivos que pode interagir com diferentes meios de expressão na vida real.
Para finalizar, gostaria de mencionar, encontrada na Feira de Arte Pulse, a peça do Tim Youd constituída por uma instalação de máquinas de escrever, na qual, incessantemente, durante dias, o artista em pessoa escrevia na mesma página uma cópia de um livro, demonstrando-nos uma outra abordagem possível entre diferentes meios de expressão e a performance. Tim Youd concluía a performance com o final da página e, consequentemente, a instalação com o registro da interação dos meios de expressão entre si. Tim Youd, que realizava a performance na Coagulo Curatorial de LA, ressaltava a importância de uma “obsessão” traduzida pela série repetitiva das múltiplas cópias de livros inteiros numa página. Nesse projeto relatou como geralmente demorava duas semanas para acabar de copiar um livro numa página, e que era tão importante a performance como a folha com tudo escrito no fim, assim como as máquinas de escrever modificadas por ele, que faziam parte da instalação.
Tendo a ideia de investigar a relação entre performance e outros meios de expressão como premissa, encontrei nos seis artistas abordados a consciência de como os diferentes meios de expressão podem interagir entre si tendo como ponto fulcral a performance. Nem o céu é o limite. Dessa forma, a performatividade vive numa relação próxima de troca entre eles, bebendo desses rios todos, fotos, escrita, pintura, escultura, som e vídeo.
Bibliografia
DEBORD, Guy. The Society of the Spectacle. Trad. Donald Nicholson-Smith. New York: Zone Books, 1994.
GOLDBERG, RoseLee. Performance Art: From Futurism to the Present. New York: Thames & Hudson. 2001.
Revisão de Marcio Honorio de Godoy
© 2014 eRevista Performatus e o autor
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