Corpo Sem Pele [1]

 

Fernando Codeço e Camila Alves, Corpo Sem Pele. Videoperformance realizada no Rio de Janeiro, Brasil. Outubro de 2011. Fotografias (still video) de Rafael Turrini e Filipe Codeço

 

Um texto pode ser também uma pintura, um desenho pode ser também uma dança, penso numa experiência limite de dança-texto-pintura-desenho em que há toda uma tessitura teatral num espaço sonoro silencioso indiscernível. Esse tecido faz-se no corpo, ou melhor, o corpo é o próprio tecido, costura de sentidos, de signos, de sensações, afetos. Talvez não seja exatamente uma costura, mas um bordado sobre um tecido pré-existente, neutro. Esse bordado atravessa a superfície do tecido, entra e saí pelos buracos da trama, é interior e exterior na superfície. É a mão que introduz as linhas nos buracos, é antes a pele da mão que conhece os buracos; o olho não conhece os buracos, mas o olho conhece o percurso que a mão percorre no tecido e as cores que ela trama no interior e no exterior da superfície do tecido que é um corpo. Então, essa imagem de um Corpo Sem Pele não é tanto a imagem do interior de um corpo, mas de um corpo onde não há interior, onde todo interior já está na superfície, talvez um corpo vestido de seus órgãos.

Estou falando de uma experiência artística iniciada em 2011 a partir de uma proposição plástica que realizei com Camila Alves, experiência que não se findou e que a este ensaio se integra. Duas informações são relevantes para a compreensão deste trabalho: a primeira é que Camila é cega, a segunda é que ela é minha amiga, e esse último dado não é mera pessoalidade, mas a proximidade da amizade é, neste trabalho, um dado material relevante. Para a realização desta proposição criei uma estrutura material [2], uma moldura de madeira medindo 2,00 x 1,70 m com um plástico transparente esticado no meio. Entreguei três bastões de tinta a óleo com as cores primárias para Camila, identifiquei-os para que ela soubesse qual era cada cor (Camila não nasceu cega, portanto, possui memória das cores), pendurei a moldura com fios de nylon no teto de um teatro, posicionei-a no centro do palco, próximo a um fundo branco, iluminei a moldura, e finalmente me posicionei de um lado da moldura, de costas para a luz, de costas para a plateia, e Camila ficou do outro lado, de frente para a luz, de frente para a plateia. Então, ela realizou uma pintura a partir do contato com meu corpo através da superfície plástica. Não havia público no teatro, mas uma equipe de filmagem. Uma câmera parada filmou o ângulo aberto e centralizado da plateia, outra câmera, em movimento, filmou diversos ângulos e detalhes deslocando-se sobre o palco. Uma primeira abordagem sobre esse trabalho poderia se dar do seguinte modo: uma superfície plástica, maleável e transparente, que une e separa ao mesmo tempo dois mundos, um visual e outro tátil, uma superfície que permite e impede ao mesmo tempo a relação íntima de dois corpos nus sobre esta superfície, nestes dois mundos, e estes corpos pintam e dançam sob o infinitivo coreográfico: “fazer aparecer um corpo”. A este corpo Camila chamou de Corpo Sem Pele.

O desafio a que me proponho neste ensaio é o de uma iterabilidade [3], isto é, repetir o infinitivo que propus para Camila: “fazer aparecer um corpo” e acrescentar a este infinitivo a imagem da sensação que Camila teve ao realizar aquela proposição plástica. O mote estilístico deste ensaio, ou melhor, o infinitivo coreográfico desta escrita é: “faça aparecer um Corpo Sem Pele”. Não se trata de um mero exercício formal, mas é antes uma tentativa de mapear os efeitos desse ato de fala agora em novo contexto, de dar uma “sacudida” na “logosfera”: “abalar a massa equilibrada das palavras, rasgar a cobertura, perturbar a ordem ligada das frases, quebrar a estrutura da linguagem.” (BARTHES: 2007: 312) Creio que esse exercício pode complicar uma série de conceitos. O conceito de corpo mantém-se inalterável nos dois contextos, da performance e da escritura? O corpo já não está inevitavelmente presente na escrita como uma ausência? A performance que realizei com Camila não foi também uma escrita? Até que ponto é possível definir as diferenças entre os dois contextos?

Derrida, no ensaio em que discute a teoria de John Austin sobre os “atos de fala” e o conceito de “performativo”, questiona a possibilidade de se determinar o “contexto” dos enunciados:

 

Para que um contexto seja exaustivamente determinável, no sentido requerido por Austin, seria necessário pelo menos que a intenção consciente fosse totalmente presente e atualmente transparente a si própria e aos outros, na medida em que constitui um foco determinante do contexto. O conceito ou petição do “contexto” parece, portanto, sofrer aqui a mesma incerteza teórica e interessada que o conceito de “vulgar”, das mesmas origens metafísicas: discurso ético e teleológico da consciência. (DERRIDA: 1991: 369)

 

Segundo Derrida, o conceito de “vulgar”, nos estudos de Austin sobre os atos performativos da linguagem, exclui a “enunciação performativa (…) formada por um ator em cena, ou introduzida num poema, ou emitida num solilóquio”. (AUSTIN apud DERRIDA: 1991: 367). Essas enunciações seriam “parasitas” da linguagem, e o que Derrida questiona é a possibilidade dessa exclusão, ele quer denunciar a natureza parasitária, citacional, impura, iterativa de toda enunciação. Ele observa, no entanto, que existem diferentes tipos de enunciação, e que, por exemplo, a fórmula usada para realizar um casamento é de um tipo diferente de iteração que a usada por um ator em cena:

 

É preciso, portanto, menos opor a citação ou a iteração à não iteração de um acontecimento do que construir uma tipologia diferencial de formas de iteração (…) Nesta tipologia, a categoria de intenção não desaparecerá, terá o seu lugar, mas, a partir deste lugar, não poderá já comandar toda a cena e todo o sistema da enunciação. Sobretudo, teremos agora que lidar com diferentes tipos de marcas ou de cadeias de marcas iteráveis e não com uma oposição entre os enunciados citacionais, por um lado, e os enunciados – acontecimentos singulares e originais –, por outro. (DERRIDA: 1991: 369)

 

Suponho que os tipos de marcas gerados a partir da intenção de “fazer aparecer um corpo” na performance que realizei com Camila e as marcas que se inscrevem neste texto, com a intenção de “fazer aparecer um Corpo Sem Pele”, se situam no limite do que poderíamos chamar de marcas teatrais e marcas vivenciais, um nó entre o estético e o afetivo. Podemos nos perguntar: Mas todo gesto artístico já não possui este nó? Creio que, de algum modo, sim, mas nem sempre este nó “aparece”. Não se trata de sentimentalismo, de exprimir um sentimento, mas de tomar o sentimento como um vetor, o vetor da amizade como constituinte de uma marca estética. A performance Corpo Sem Pele pode também ser compreendida como uma conversa entre nossos corpos, o meu e o de Camila, como uma conversa entre dois amigos. Este ensaio não pretende ser outra coisa além de um retorno a essa conversa. De fato, para escrever este texto fui até a casa de Camila e passamos uma tarde conversando sobre diversas coisas, entre elas sobre este nosso trabalho. As imagens que orientam este texto surgiram dessa conversa, e o desafio a que me proponho é o de tentar encarnar, nesta experiência de escrita, essas nossas diversas conversas.

 

Devir-Cego

Há alguns anos, antes de conhecer Camila, reencontrei um amigo, um colega de escola, que não via há muito tempo; esse meu amigo estava agora cego. Com essa constatação fiquei abalado com o encontro. Conversamos e prometi que iria procurá-lo, algo que nunca cheguei a fazer. Na verdade, alguma coisa me repelia, me afastava, e evidentemente era a empatia que sentia por ele, isto é, eu me colocava no seu lugar, me imaginava cego e isso me assustava. Essa lembrança retornou e persistiu em minha cabeça quando resolvi escrever este ensaio.

Creio que as relações humanas possuem múltiplos vetores. Simplificando, imaginemos esses vetores como vetores de atração, repulsão e indiferença. Uma relação intensa não possui apenas vetores de atração, pelo contrário, os vetores de repulsão são necessários para que haja intensidade na relação. É claro que os vetores de atração precisam ser mais fortes, mas sem os vetores opostos, não existe tensão. Complicando um pouco mais essa imagem, talvez no interior mesmo dos vetores mais visíveis ou sensíveis de repulsão existam micro-vetores de atração e vice-versa, assim atração e repulsão não podem anular-se, constituem dinâmicas distintas no interior de uma mesma força. Creio, dessa forma, que a força de repulsão que senti no reencontro com meu amigo de escola já continha a força de atração que se manifestou no meu encontro com Camila.

Talvez eu pudesse nomear essa força como um devir-cego. Penso que esse devir-cego pode ser um modo, uma tentativa de escapar do que eu chamo de escravidão da imagem visual. Barthes, em seu já citado ensaio sobre Brecht, fala de uma logosfera: “Tudo o que lemos e ouvimos recobre-nos como uma toalha, rodeia-nos e envolve-nos como um meio: (…) Essa logosfera nos é dada por nossa época, nossa classe, nosso ofício: é um ‘dado’ de nosso sujeito” (BARTHES: 2007: 312). Gostaria de adicionar a essa logosfera mais uma camada, que por analogia chamarei de visosfera: tudo que vemos também nos vê e nos recobre como uma pele. Não estou dizendo com isso que uma pessoa cega se encontra fora da visosfera; a logosfera contém a visosfera, e em “tudo que lemos e ouvimos” existe um regime de visualidade. Ocorre que com a pessoa cega a visosfera se constitui a partir de dados não visuais. Assim, não é certo que uma pessoa cega possa entrar num devir-cego. Por outro lado, o devir-cego também não acontece quando uma pessoa que enxerga se coloca no lugar de uma pessoa cega. O devir-cego seria uma força que romperia a pele da visosfera e da logosfera, e não é certo que se consiga isso. Eis uma primeira imagem de um Corpo Sem Pele: um corpo sem logosfera.

 

O Bordado

 

Fernando Codeço, Estrutura material da obra Corpo Sem Pele, 2011

 

Perguntei para Camila se ela havia feito escolhas em relação às cores para realizar a performance. Ela me respondeu que sim, que havia tentado aproximar o vermelho do amarelo, porque lembrava que na sua infância gostava de usar essas cores nos bordados que fazia para decorar toalhas e panos. Bordado que sua avó lhe ensinara a fazer sobre um tecido chamado Vagonite. Olhando para a imagem que Camila criou vemos que de fato existe essa orientação na composição. As duas cores aproximadas por ela constituem a estrutura do corpo, o azul parece ter certa independência. Na área da cabeça isso fica evidente, o amarelo cria o contorno da cabeça, o vermelho a preenche, o azul atravessa a cabeça como um raio horizontal ligando uma lateral à outra do quadro sem nenhum compromisso com a figura. 

Ora, temos aí um dado da visosfera de Camila que se materializou na composição que realizou no “corpo sem pele”, mas qual é o sentido desse dado? O que ele informa? Teria ele alguma relevância? Camila acha que sim, e diz que a experiência da performance Corpo Sem Pele tem semelhanças com a do bordado ensinado a ela por sua avó. Em que consiste e qual o sentido dessa semelhança? Talvez a resposta esteja na própria trama que a palavra sentido contém: “Ora, o próprio sentido é um entrelaçamento, uma perversidade. Ao menos três paradigmas aí produzem nós e jogos: os paradigmas do semiótico (o sentido-sema), do estético (o sentido-aisthesis) e do patético (o sentido-pathos)”. (DIDI-HUBERMAN: 2012: 19)

A imagem do bordado que Camila aprendeu com sua avó me parece trazer potências dos três aspectos do sentido ressaltados por Didi-Huberman: “o sentido-sema”, decorar a casa, agradar a família; o “sentido-aisthesis”, que contém o gosto pelas cores vermelho e amarelo; o “sentido-pathos”, relacionado ao afeto pela avó. O próprio bordado é essa trama de sentidos. Segundo Didi-Huberman, Leonardo da Vinci, em suas Profezie, comparou a trama do sentido a uma “estrutura de pele”: “Quanto mais se falar com as peles, vestiduras do sentido, mais se adquirirá sapiência. Trata-se das peles quando se conjugam, diz ele, escrituras, le scritture, e sentido do tato, il senso del tatto”. (DIDI-HUBERMAN: 2012: 19-20)

Nem é preciso dizer que a proposição que criei para Camila é uma “estrutura de peles”. A superfície plástica transparente não deixa de ser uma pele, uma película, que separa e une, impede e permite a relação de minha pele com a pele de Camila. Esse conjunto também é uma trama de sentidos. Nela atuam o sentido-signo, que consiste em “fazer aparecer um corpo”; o sentido-estético, que aciona as cores, a luz, a transparência, a dança dos corpos; e o sentido-pathos, em que estão presentes a intimidade, a amizade. Onde então rompe-se essa estrutura de peles, essa trama de sentidos? Onde se constrói um Corpo Sem Pele se é justamente sobre múltiplas camadas de pele que este corpo se dá?

Camila me falou que no início da performance estava um pouco perdida, mas tinha um plano. Logo depois ela foi esquentado, passou a ter um certo controle sobre o corpo e a tinta: “Eu inventei uma combinação de cores”, que é aquela vinda da experiência do bordado Vagonite com sua avó. Ainda segundo Camila, no final ela foi perdendo o controle, deixou-se levar por um fluxo, já não sabia qual era cada cor, não importava mais, estava no fluxo da dança. Creio que é nesse momento que começa a surgir o Corpo Sem Pele. Camila me disse que teve a sensação de que estava pintando veias, sistemas circulatórios, fibras musculares, órgãos. Perguntei se essa sensação vinha da tinta, dos movimentos que ela fazia sobre a superfície plástica com a tinta, ou da percepção que tinha do meu corpo. Ela me disse que vinha dos dois. De fato, não havia uma separação entre o seu fluxo de movimentos e os movimentos que eu fazia com meu corpo pressionando a superfície plástica. Ela mesma me disse que achava que não era ela quem estava pintando. Eu também não creio que eu estava orientando o movimento da pintura, mas havia sim um jogo, um fluxo de movimento que se orientava pela percepção de cada um acerca do corpo do outro, entendendo aqui os bastões de tinta utilizados por Camila como uma extensão de seu corpo. A mão que não estava segurando o bastão cumpria também uma função importante nesse jogo. Segundo Camila, era como se a mão que segurava o bastão olhasse de perto e a outra olhasse de longe. Era como se a mão que estava sem o bastão pudesse antecipar os movimentos do meu corpo. Ora, nesse fluxo de percepções táteis, de sensações corpóreas, não havia mais nenhuma trama de sentidos, nenhuma “estrutura de pele”, nenhum pensamento, nenhuma orientação estética, nenhum “eu” que orientasse o movimento, apenas uma sensação desprovida de sentido. Um Corpo Sem Pele: “ao mesmo tempo eu me torno na sensação e alguma coisa acontece pela sensação, um pelo outro, um no outro.” (DELEUZE: 2007: 42).

 

Corpo como Roupa [4]

Gostaria de retomar uma imagem que surgiu no início deste ensaio: a de um corpo vestido de seus órgãos. Essa imagem criei para evitar a possível leitura da imagem Corpo Sem Pele como a de uma interioridade do corpo, que poderia cair numa leitura espiritualista ou transcendentalista. O que seria então um corpo como pura exterioridade? O que esse pensamento propõe enquanto percepção do corpo, enquanto percepção do mundo? O que poderia querer dizer com a ideia de que todo corpo é uma roupa e que toda roupa é também um corpo?

Antes de pensar o que pode ser um corpo vestido de seus órgãos, gostaria de refletir, sem nenhuma pretensão de fechar a questão, sobre a hipótese do corpo como roupa e a roupa como corpo. Para essa reflexão tomarei de empréstimo textos de pensadores e antropólogos de áreas bastante díspares: estudos sobre o “perspectivismo ameríndio”, do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, estudos etnográficos sobre travestis [5] e o livro do filósofo italiano Mario Perniola sobre o “Sex Appeal do inorgânico”. O que esses textos têm em comum é um pensamento sobre o corpo completamente distinto do modo como ele foi tradicionalmente pensado na civilização ocidental, ou seja, um corpo que está à margem do mundo capitalista do espetáculo, da sociedade do consumo, ou que se apresenta como um incômodo, um estranho no interior desse mundo.

Nesse contexto, índios, travestis, transexuais, punks e artistas performáticos unem-se numa perspectiva que não vê o corpo como sinônimo de fisiologia e, dessa forma, escapam dos padrões burgueses estabilizantes de beleza, comportamento e sexualidade. A ideia de “corpo como roupa” parece estar implícita na própria palavra “travesti”. O antropólogo Hélio R. S. Silva, autor da etnografia Travestis: Entre o Espelho e a Rua, examina em seu trabalho o que ocorre, na prática, a travestis da Lapa, no Rio de Janeiro: “O corpo é encarado como vestimenta. E, como vestimenta, corrigível, costurável, enxertável” (SILVA: 2007: 161). Em outro contexto, Viveiros de Castro, referindo-se aos rituais indígenas em que eles vestem roupas, máscaras e pintam o corpo, diz:

 

Trata-se menos de o corpo ser uma roupa que de uma roupa ser um corpo. Estamos diante de sociedades que inscrevem na pele significados eficazes, e que utilizam máscaras animais (ou pelo menos conhecem seu princípio) dotadas do poder de transformar metafisicamente a identidade de seus portadores, quando usadas no contexto ritual apropriado. Vestir uma roupa-máscara é menos ocultar uma essência humana sob uma aparência animal que ativar os poderes de um corpo outro. (CASTRO, 1996).

 

Esse “outro” corpo não é mero disfarce ou fantasia, é um “equipamento distintivo” que permite ao sujeito ter outras afecções e capacidades, que possibilitam aos xamãs se “deslocar(em) pelo cosmo”. Viveiros de Castro compara essa roupa/corpo aos equipamentos de mergulho ou aos trajes espaciais. O corpo, nos estudos de Viveiros de Castro, não é sinônimo de “fisiologia distintiva”, mas sim um “conjunto de afecções ou modos de ser que constituem um habitus”, conceito este que escapa da clivagem tradicional na cultura ocidental que costuma separar corpo e alma.

Outro antropólogo, Marcos Benedetti, em sua etnografia denominada Toda Feita, que fala a respeito de travestis de Porto Alegre, faz uma breve, porém rica, discussão sobre o conceito de corpo, mobilizando a teoria de Pierre Bourdieu. Nesse trabalho, ele nos dá a seguinte definição de habitus

 

…é a própria naturalização da cultura, porque é o operador lógico que promove a ligação entre um nível propriamente simbólico (cultural) e o espaço corporal (natural). Assim, segundo Bourdieu, não haveria um estrato puramente biológico no corpo, governado por leis naturais, como querem as ciências médicas e biológicas. (BENEDETTI: 2005: 53)

 

Continuando a discussão, Benedetti cita ainda a teoria de Thomas Csordas, que entende o corpo como “a base existencial da cultura”, não como “um suporte de significados”, mas como “um elemento produtor e o cenário primeiro desses significados.” (Ibidem, 54). O antropólogo conclui, finalmente, da seguinte maneira: “O corpo das travestis é, sobretudo, uma linguagem; é no corpo e por meio dele que os significados do feminino e do masculino se concretizam e conferem à pessoa suas qualidades sociais. É no corpo que as travestis se produzem enquanto sujeitos.” (Ibidem, 53)

Se o corpo das travestis é uma linguagem, o ato de travestir é a produção de um discurso no corpo, discurso que é uma desfiguração, ou uma falsificação declarada, ou ainda uma transição para “outro corpo”, transição que nunca se completa, nunca se torna propriamente o “outro”. É sempre uma passagem, um trânsito entre um corpo e outro. O travesti encarna, em seu corpo, um movimento perpétuo de alteridade. Hélio R. S. Silva expõe, nesse sentido, a ideia de uma “transcondição” da travesti: “…no sentido de que há em sua condição um princípio de mutação que, por incidir sobre aspectos, dimensões, características extremamente básicas e estruturantes, as torna virtualmente mutantes, mutáveis.” (SILVA: 2007: 163-164)

Assim, o travesti faz discursar no corpo uma transitoriedade. O travesti não é o híbrido, mas um movimento de hibridização.

Essas características observadas em travestis e nas tribos ameríndias, de uma subjetividade que se dá na exterioridade do corpo, que não possui uma identidade fixa ou rígida, que está aberta a mudanças e, por isso mesmo, aberta ao outro, ao diferente, nos parece uma alternativa ética e política ao modo de subjetivação que o mundo capitalista tenta impor, forjando e alimentando necessidades a um indivíduo interiorizado, transcendental, autocentrado, que possui uma verdade sobre si, que se reconhece em uma determinada classe social, que se enquadra em uma determinada faixa de consumo. Esse indivíduo não vê na roupa um corpo, mas os sinais de sua classe social. Seu corpo igualmente não é visto por ele como uma roupa, mas como a expressão de sua interioridade e, por isso, ele precisa fazer de tudo para alcançar os padrões de beleza impostos pela mídia, por isso ele precisa fazer de tudo para não envelhecer, pois juventude é sinônimo de saúde e beleza e esses signos do bom, do bem e, em suma, da felicidade, que são nutridos pelo modo capitalista de emoldurar o mundo, como já se vê, tudo isso não se alcança sem dinheiro.

Mário Perniola, a respeito do corpo como vestimenta e da vestimenta como corpo, propõe algo ainda mais radical. Para o filósofo, sentir o corpo como roupa é ter uma experiência sem sujeito, algo difícil de compreender, como ele mesmo admite, tratando-se de um “excesso filosófico”. No livro O Sex Appeal do Inorgânico, Perniola propõe uma sexualidade neutra, sem desejo, sem prazer, mas que propiciaria uma excitação infinita.

 

A filosofia da coisa liberta a sexualidade da dependência do orgânico, em que tanto a psicanálise quanto o feminismo a mantiveram e, vice-versa, a sexualidade neutra liberta a filosofia da exangue espiritualidade vitalista em que tanto a ética quanto a estética conservam-na fechada. Esta dupla emancipação ocorre sob o signo do corpo-roupa, do look. Enfim, a beleza dos corpos, seu gênero masculino ou feminino, sua idade não tem mais importância: o que conta é a sua disposição e atitude para cobrir e serem cobertos, para vestir e serem vestidos, para envolver e serem envolvidos por tecidos carnais, que não têm nada de orgânico, que não podem ser diferenciados do vestuário, dos tecidos, das roupas que habitualmente os escondem. (PERNIOLA: 2005: 63)

 

Pensar o corpo como roupa é, portanto, colocar-se numa alteridade radical, pra fora de qualquer identidade fixa ou rígida, é livrar-se de qualquer preconceito de gênero, beleza ou idade.

 

Vestido com Seus Órgãos

Voltemos agora à imagem com a qual eu iniciei esta reflexão sobre o corpo como roupa. O que seria então, a partir desse pensamento, vestir um corpo com seus órgãos?

Curiosamente, uma aproximação com o pensamento de Deleuze sobre a imagem do “corpo sem órgãos” de Artaud me parece interessante, sobretudo porque ele retoma esse conceito em sua reflexão sobre a pintura de Francis Bacon. Deleuze faz uma diferenciação entre o conceito de órgão e o de organismo:

 

Com efeito, não faltam órgãos ao corpo sem órgão, falta-lhe apenas organismo, quer dizer, a organização dos órgãos. O corpo sem órgão se define, portanto, como um órgão indeterminado, enquanto o organismo se define como órgãos determinados. (DELEUZE: 2007: 54)

 

Quando Camila me falou que teve a sensação de que estava “pintando órgãos, fibras musculares, veias, sistema circulatório”, ela não me falou de nenhuma organização desses órgãos. Isso se revela de modo contundente quando pergunto qual a imagem que ela tem de sua pintura, ao que ela me responde com um gesto movendo seu braço, com o punho fechado, em múltiplas direções. Se não havia organização dos órgãos em sua sensação, certamente também não havia determinação. Quando perguntei a ela se tinha consciência das partes do meu corpo que estava tocando, ela me disse que tinha uma ideia espacial, mas não tinha como saber, por exemplo, se na área que ela imaginava estar o meu ombro, ela estava tocando o meu cotovelo ou minha mão. Portanto, havia uma indeterminação, uma indiscernibilidade dos membros. 

A essa indiscernibilidade dos órgãos ou dos membros, agrega-se, evidentemente, uma indiscernibilidade do corpo. Camila me disse: “Não tinha assim ‘o Fernando’, tinha um corpo”. Ela falou também que não tinha a percepção do todo do corpo, mas apenas a percepção de volumes de um corpo. Também não havia a percepção do sexo, pois tratava-se de perceber órgãos de um corpo, “anterior a ser corpo de homem ou de mulher”. A superfície plástica produzia, na sensação de Camila, uma indiscernibilidade do meu corpo, que tornava-se um corpo sem nome, sem sujeito, sem sexo, mas com órgãos e também, segundo ela, com uma intencionalidade humana. No entanto, é só na intencionalidade do movimento que ela reconhece o humano, não na sensação direta do tato. Aqui uma nova aproximação com o pensamento de Deleuze sobre o trabalho de Bacon:

 

Em vez de correspondências formais, a pintura constitui uma zona de indiscernibilidade, de indecidibilidade entre o homem e o animal. O homem se torna animal, mas não que o animal se torne ao mesmo tempo espírito, espírito do homem, espírito físico do homem refletido no espelho, como Eumênides ou Destino. Não se trata de combinação de formas, mas de um fato comum: o fato comum do homem e do animal. (Ibidem: 29)

 

Merleau-Ponty tem uma percepção semelhante com relação à pintura de Cézanne:

 

Vivemos num meio de objetos construídos pelos homens, entre utensílios, em casas, ruas, cidades e, na maior parte do tempo, não os vemos senão por meio das ações humanas das quais eles podem ser os pontos de aplicação. Habituamo-nos a pensar que tudo isso existe necessariamente e é inabalável. A pintura de Cézanne suspende esses hábitos e revela o fundo de natureza inumana sobre o qual o homem se instala. Por isso, seus personagens são estranhos e como que vistos por um ser de outra espécie. (MERLEAU-PONTY: 2013: 135)

 

Essas percepções táteis de Camila me levam ainda a mais um referente teórico, o pensamento de Paul-Valéry sobre o “informe” na pintura de Dégas:

 

Eu pensava às vezes no informe. Há coisas – manchas, massas, contornos, volumes – que têm, de alguma maneira, somente uma existência de fato: são apenas percebidas por nós, mas não conhecidas; não podemos reduzi-las a uma lei única, deduzir seu todo da análise de uma de suas partes, reconstruí-las por meio de operações racionais. (…) Dizer que são coisas informes é dizer não que não têm formas, mas que suas formas não encontram em nós nada que permita substituí-las por um ato de traçado ou reconhecimento nítido. E, de fato, as formas informes não deixam outra lembrança senão a de uma possibilidade… (VALÉRY, 2012: 79)

 

Creio que essas três passagens informam de modos distintos sobre uma mesma questão; o “indiscernível”, o “fundo de natureza inumana”, o “informe”, apontam para uma visualidade que é anterior ao sujeito. É o que Hubert Godard descreve como um olhar cego, um olhar subjetivo, que escaparia ao processo de significação das coisas, que escaparia à própria história do sujeito. Descobriu-se esse olhar em pessoas que perderam parte da visão em decorrência de acidentes:

 

Então é surpreendente porque se colocarmos uma cadeira diante deles e lhes pedirmos para descrever o objeto, nomeá-lo, eles dirão que não veem nada. E se pedirmos que andem, irão evitar a cadeira. Sabe-se que esse olhar é subcortical, que não é, pois, ligado ao tempo, que não é ligado à história do sujeito, que não funciona a partir de uma interpretação e que não é tampouco um confronto entre um passado e uma atualização do olhar – algo que seria um olhar mais “geográfico”. (GODARD apud ROLNIK, 2004: 3)

 

Godard diz ainda que existe uma correspondência entre o que se dá no olhar e o que se dá com todos os outros sentidos. Assim, ele diz que existe também um tato-cego, um tato que toca e se permite ser tocado ao mesmo tempo:

 

É fabuloso com o tato porque se dá a mesma operação que com o olhar: há um tato que objetifica e um outro que se dissolve no coletivo. Mas, é preciso entender-se sobre isso: não é uma dissolução total, regressão ou algo do gênero, é simplesmente a existência de um duplo movimento. Merleau-Ponty descreveu muito bem isso. Quando toco a mesa, ao mesmo tempo a mesa me toca. Ora, frequentemente, as pessoas tocam, mas não são tocadas. (Ibidem)

 

Ora, em que consistiu a experiência que realizei com Camila, senão em um exercício de tocar e ser tocado? Se não fosse essa a experiência, como poderia eu estar construindo este texto a partir das sensações táteis relatadas por ela?

Voltemos às sensações: um órgão, um membro, um volume por trás de uma mesma superfície neutralizante que os tornam indistinguíveis, se de homem ou animal. É apenas na intenção que ela reconhece o humano. Mas qual era essa intencionalidade? A intenção de fazer-se presente, de ser reconhecido como um corpo. Esse fazer-se presente se dava, na performance, numa relação de forças entre os corpos, isto é, para que eu fosse percebido por Camila, precisava pressionar partes do meu corpo sobre a superfície plástica e, por sua vez, Camila precisava pressionar a superfície para pintar e perceber o meu corpo. Camila não estava tentando representar meu corpo sobre a superfície, mas entrando numa relação de força comigo. A superfície era o meio onde se dava essa relação e ao mesmo tempo a testemunha, aquilo que permitia dar visibilidade a essa relação entre forças. Segundo Deleuze, “A tarefa da pintura é definida como uma tentativa de tornar visíveis forças invisíveis” (DELEUZE: 2007: 62). Essa era a função da superfície plástica, transparente e maleável, tornar visível a relação de força que se exercia entre o meu corpo e o corpo de Camila, corpos que dançavam sobre ela com o intuito de perceber e ser percebido como tal, que dançavam sob o infinitivo coreográfico de “fazer aparecer um corpo”. Na percepção de Camila o que apareceu foi um Corpo Sem Pele vestido com seus órgãos, percepção esta que, suponho, ter se dado numa tatilidade cega

 

Parangolé-Pintura

Há muito que o Parangolé se estabeleceu como um mito na arte brasileira e, como todo mito, foi exaustivamente comentado e tornou-se um clichê. Uma das abordagens mais comuns a respeito dessa obra de Hélio Oiticica é a de que ela representou uma saída da pintura do plano para o espaço, da moldura do quadro para o corpo. Essa é sem dúvida uma abordagem superficial, contudo nem por isso incorreta. A experiência performática do Corpo Sem Pele pode ser vista como um caminho oposto ao do Parangolé, isto é, o retorno da pintura do corpo para o plano. No entanto, esse retorno não ocorre sem levar consigo todas as possibilidades abertas pelo Parangolé. E esse retorno já aponta novamente para sua saída. Em minha proposição, o plano onde ocorre a pintura é transparente e flexível e, ao imprimir-se na superfície a tinta, ao mesmo tempo cria-se um volume nesse plano que projeta-se como sombra para fora dele; a cor pigmento no plano torna-se cor luz no espaço. Nesse retorno, a experiência da participação desloca-se, restringe-se ao par cocriador da obra que, nesse caso, fomos eu e Camila. Já a experiência da dança mantém-se em sua inteireza. A respeito desta última, Oiticica escreveu um belo e esclarecedor texto sobre sua obra intitulado A Dança na Minha Experiência. No texto, o artista fala do que foi para ele a “descoberta da imanência”:

 

A dança é por excelência a busca do ato expressivo direto, da imanência desse ato; não a dança de ballet, que, sendo excessivamente intelectualizada pela inserção de uma coreografia e que busca a transcendência deste ato, mas a dança “dionisíaca” que nasce do ritmo interior do coletivo (…) A improvisação reina aqui no lugar da coreografia organizada; em verdade quanto mais livre a improvisação melhor; há como que uma imersão no ritmo, uma fluência onde o intelecto permanece como que obscurecido por uma força mítica interna, individual e coletiva. (…) As imagens são móveis, rápidas, inapreensíveis – são o oposto do ícone, estático e característico das artes ditas plásticas – em verdade a dança, o ritmo, são o próprio ato plástico na sua crudeza essencial. (OITICICA, 1965).

 

Oiticica está se referindo à obra seminal de Nietzsche, O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música, para falar de sua experiência com a dança como passista na Mangueira. Em sua leitura, o “dionisíaco” manifesta-se da imersão no ritmo, na improvisação, na desintelectualização, enfim, por uma força mítica ao mesmo tempo individual e coletiva. Quando usei o termo “infinitivo coreográfico” para falar de minha proposição “faça aparecer um corpo”, estava pensando nessa abertura de ser, nessa abertura total para a improvisação.

Essa imersão na imanência, na dança “dionisíaca”, é também, para Oiticica, uma condição política e existencial; ela suspende todo condicionamento social, toda a sensação de pertencimento a um grupo específico ou a uma camada social: “seria a total ‘falta de lugar social’ ao mesmo tempo que a descoberta do meu ‘lugar individual’ como homem total no mundo” (OITICICA, 1965). Essa imanência total no mundo eu associo à ideia do “corpo como roupa”, da imagem de uma exterioridade total, de uma abertura completa para o “Outro”.

Gostaria de arriscar um último cruzamento teórico para tentar falar dessa ideia de uma Pintura-Parangolé. Imagino um diagrama que se comporta como uma dança dionisíaca, coletiva e, no interior dessa dança, surge a imagem pictórica de uma Figura. Estou retornando ao pensamento de Deleuze sobre a pintura de Bacon e adicionando a esse pensamento, como um suplemento, a experiência do Parangolé. Segundo Deleuze, o diagrama são gestos manuais, acidentes, catástrofes que devem retirar toda carga narrativa, representativa e ilustrativa da pintura:

 

É como o nascimento de outro mundo. Pois essas marcas, esses traços, são irracionais, involuntários, acidentais, livres, ao acaso. Eles são não representativos, não ilustrativos, não narrativos. Mas nem por isso são significativos ou significantes: são traços assignificantes. São traços de sensações, mas de sensações confusas. (…) É como se a mão ganhasse independência e passasse ao serviço de outras forças, traçando marcas que não dependem mais da nossa vontade nem da nossa visão. Essas marcas manuais quase cegas testemunham, portanto, a intromissão de outro mundo no mundo visual da figuração. (DELEUZE, 2007: 103)

 

Imaginemos que esses traços, essas marcas, não sejam feitos por um pintor, mas por dois corpos que se relacionam numa dança dionisíaca. Está claro que os corpos e a dança tornam-se parte integrante da obra, há uma interpenetração entre dança e pintura, a pintura surge da dança dos corpos e a pintura faz dançar os corpos. Há também uma duplicação do diagrama; ele está na pintura, mas está também na dança. É nesse sentido que imagino a performance Corpo Sem Pele como uma espécie de Pintura-Parangolé.

 

Videoinstalação

 

Bia Medeiros, Videoinstalação Corpo Sem Pele na exposição individual Vênus nos Espelhos, Unirio, Rio de Janeiro, 2013

 

A obra Corpo Sem Pele é uma obra em processo; apresentei-a pela primeira vez em outubro de 2013, na Unirio, na sala de exposição do Centro de Ciência Humanas durante o festival Fitu, organizado pelos alunos da universidade. Junto a Corpo Sem Pele havia outras obras minhas, e esse conjunto configurou-se como minha primeira experiência de exposição individual. Apresentei o trabalho em formato de videoinstalação, pendurei o quadro com fios de nylon a 70 cm de distância de uma parede branca e projetei as imagens da performance, previamente editadas [6], sobre o quadro.

Criei assim uma trama de múltiplas projeções: a do vídeo que se projetou na parede branca do fundo e na superfície plástica, transparente e pintada, e a projeção da sombra da pintura na parede. Esta última projeção é uma repetição do que ocorre no interior do vídeo, onde vemos, já no processo de realização da pintura, a projeção de sua sombra sobre o corpo de Camila e sobre a parede do fundo. Na verdade, na parede do fundo do vídeo da performance misturam-se as sombras do meu corpo, do corpo de Camila e da pintura. Creio que nessa complexa trama novos diagramas aparecem, novos imprevistos e acasos acontecem. As imagens misturam-se, duplicam-se e fundem-se ao mesmo tempo. 

Há uma série de questões a serem analisadas a partir do resultado da videoinstalação que não caberá abordar aqui neste ensaio. Apontarei apenas algumas como uma abertura para um novo texto: os movimentos da câmera e os cortes da edição podem ser lidos como uma nova dança que se soma à dança dos corpos? Como essa nova dança interfere na percepção do público? De que modo a pintura interfere na imagem do vídeo e vice-versa? Como se comportam, nesse contexto, a cor pigmento e a cor luz? Quais relações podemos estabelecer entre o resultado visual da videoinstalação e as sensações táteis relatadas por Camila? Acerca dessas novas provocações traçaremos, em outro momento, outras linhas possíveis a respeito desse Corpo Sem Pele que insiste, persiste e assume seu trajeto de obra sempre inacabada.

 

Notas

[1] Este ensaio foi criado a partir de uma videoperformance que realizei com Camila Alves e que chamei primeiro de Metamorfo e depois mudei o nome para Corpo Sem Pele. A videoperformance pode ser vista neste link: <http://www.youtube.com/watch?v=uqAXq0lDUjg>. Ver mais informações sobre este trabalho em: <http://fernandocodeco.wordpress.com>

[2] “Estrutura material” é um dos elementos pictóricos que Deleuze identifica na pintura de Francis Bacon no livro Francis Bacon – Lógica da Sensação. São “as grandes superfícies planas”, essas superfícies, segundo Deleuze, que têm uma “função estruturante, espacializante” (Deleuze: 2007: 15). Neste trabalho, o que estou chamando de estrutura material não é a superfície plástica transparente, mas a moldura de madeira que delimita e estrutura a superfície. 

[3] “(…) iter, de novo, viria de itara, outro em sânscrito, e tudo o que se segue pode ser lido como exploração desta lógica que liga a repetição à alteridade” (DERRIDA: 1991: 356).

[4] Retomo esta discussão que proponho no texto “Gênero Livre“, texto coletivo assinado também por Anita Ayres, Bia Medeiros, Eloy Nascimento, Sergio Cohn e Vinicius Nascimento. Foi publicado em dezembro de 2013 pela revista NAU – Cultura e Pensamento. Ver em: <http://issuu.com/pensamentobrasileiro_revista/docs/nau_6_web/5?e=1>.

[5] Realizei uma série de trabalhos plásticos e performáticos com travestis que se prostituem no bairro da Glória no Rio de Janeiro. As reflexões que se seguem estão intimamente ligadas a essa experiência artística.

[6] O vídeo foi editado por Vinicius Nascimento.

 

Bibliografia

BARTHES, Roland. Brecht e o discurso: contribuição ao estudo da discursividade. In: Escritos sobre teatro. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

BENEDETTI, Marcos. Toda Feita – O corpo e o gênero das travestis, Rio de Janeiro: Garamond, 2005.

CASTRO, Eduardo Viveiros de. “Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio”. Mana, vol. 2 n. 2 Rio de Janeiro, 1996.

DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da Sensação. Trad. Roberto Machado (coord.). Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

DERRIDA, Jacques. Assinatura, acontecimento, contexto. In: Margens da Filosofia. Trad. Joaquim Costa, António M. Magalhães. Campinas, SP: Papirus, 1991.

DIDI-HUBERMAN, Georges. A Pintura Encarnada. Trad. Osvaldo Fontes Filho e Leila de Aguiar Costa. São Paulo: Escuta, 2012.

MERLEAU-PONTY, Maurice. O Olho e o Espírito. Trad. Paulo Neves e Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

PERNIOLA, Mario. O Sex Appeal do Inorgânico. Trad. Nilson Moulin. São Paulo: Studio Nobel, 2005.

OITICICA, Hélio. A Dança na Minha Experiência. Disponível em: <http://goo.gl/EFLcpI>, Rio de Janeiro, 1965. Acessado em: 03.07.2014.

ROLNIK, Suely. Olhar cego. Entrevista com Hubert Godard, por Suely Rolnik. In: ROLNIK, Suely. (Org.). Lygia Clark, da obra ao acontecimento. Somos o molde. A você cabe o sopro. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2006

SILVA, Hélio R. S. Travestis – Entre o espelho e a rua. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

VALÉRY, Paul. Degas Dança Desenho. Trad. Christina Murachco e Célia Euvaldo. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

 

 

Revisão de Marcio Honorio de Godoy

© 2014 eRevista Performatus e o autor

Texto completo: PDF