Fábio Carvalho, Paraíso dos falsos monarcas, 2013. Tinta acrílica, soldados de plástico, asas de borboleta de plástico sobre parede, 4 x 3 m. Fotografia de Marco Antonio Teobaldo
Fábio Carvalho, artista plástico brasileiro (Rio de Janeiro), esteve envolvido em projetos fulcrais no mapeamento da produção artística emergente no Brasil na década de 1990, quando iniciou a sua carreira. Sua obra já foi apresentada em 11 exposições individuais e em mais de 110 coletivas pelo Brasil e pelo mundo. Cerca de 60 de suas obras fazem parte de coleções públicas e privadas.
Presentemente em Portugal, a convite da fábrica de porcelana Vista Alegre, em residência artística e para a inauguração da exposição Bordallianos do Brasil, na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, com a sua peça Floreiro archeiro. O projeto Bordallianos do Brasil partiu do convite, por parte das Faianças Artísticas Bordallo Pinheiro, a 20 renomados artistas brasileiros, para reinterpretar a obra de Rafael Bordallo Pinheiro, criando cada artista uma peça de arte conceptual original.
Com seu trabalho, Fábio Carvalho levanta uma discussão sobre estereótipos de género. Questiona a ideia de senso comum de que força e fragilidade, virilidade e poesia, masculinidade e vulnerabilidade não podem coexistir.
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Fábio Carvalho, Floreiro archeiro, 2011/2012. Faiança policromada pintada à mão, 43 x 24 x 24 cm
RODRIGO VILA: De que forma viver no Rio de Janeiro inspirou o seu trabalho?
FÁBIO CARVALHO: O Rio é uma cidade bastante cosmopolita e um ambiente muito colorido e estimulante. Entretanto, sendo um país latino e católico, o Brasil (e o Rio de Janeiro não é uma exceção à regra nacional) é muito chauvinista e com um forte patrulhamento de gênero. Todos se acham no direito de julgar e decidir o que um menino/homem ou uma menina/mulher pode ou não fazer, vestir, brincar, dizer, se comportar, gostar e assim por diante. Por outro lado, nós enfrentamos um problema muito sério de violência urbana, tanto do lado da criminalidade quanto do próprio Estado sobre os cidadãos. Eu acho que tudo isso se reflete em meu trabalho.
RODRIGO VILA: Como é o seu processo criativo?
FÁBIO CARVALHO: O mais caótico que se possa imaginar! Não há qualquer regra para como um trabalho pode surgir. Sequer há uma rotina de trabalho; eu trabalho quando sinto que preciso trabalhar. Mas mesmo quando não estou efetivamente produzindo, estou sempre pensando sobre meu trabalho, mesmo que em segundo plano. E a qualquer momento, em qualquer lugar, algo que eu veja, leia ou com que me depare pode ser o ponto de partida para um novo trabalho ou uma nova série. É muito mais provável que um novo trabalho surja na rua, ao invés de fechado em casa. Sou particularmente suscetível quando estou em trânsito, viajado longe de casa. É quando tudo parece novo e mais estimulante. Os sentidos parecem ficar em constante estado de alerta, o que é muito bom para a criação.
Fábio Carvalho, Bai feliz buando, no bico dum passarinho n° 7, da série Portugal – lenços de namorados, 2012. Bordado à mão com fios de lã, pérolas falsas, cristais falsos, miçangas, renda industrial e passamanaria sobre toalha de mesa impressa com padrão de lenço de namorados, 125 x 125 cm
RODRIGO VILA: Na série “Bai feliz buando, no bico dum passarinho” o Fábio utiliza referências portuguesas. Como estas referências surgem na sua obra?
FÁBIO CARVALHO: Quando estive em Portugal em 2011 para criar minha releitura da obra de Bordallo Pinheiro, eu entrei em contato “ao vivo” (só conhecia por fotos) com os bordados do norte de Portugal conhecidos como “lenços de namorados”. É algo tão cativante, tão ingenuamente feminino, que eu decidi que precisava incorporar este imaginário e esta poesia delicada dos lenços de namorados ao discurso do meu trabalho. Voltei a Portugal em 2012, e passei um mês inteiro em uma residência artística no Porto, para poder estudá-los de perto e com calma.
RODRIGO VILA: Acredita que chegaremos a um tempo em que as barreiras entre géneros deixarão de existir?
FÁBIO CARVALHO: Não, não acredito. A divisão em gêneros é uma parte forte do que somos como espécie, cultura e sociedade, mas eu espero que pelo menos as pessoas possam escolher livremente de que forma preferem se apresentar como indivíduos, sem por isso serem criticadas ou mesmo agredidas pelos outros. Espero que um dia se um menino quiser brincar com bonecas, ou cuidar de flores, ou uma menina quiser brincar com caminhões ou ser bombeiro, isto seja encarado da forma mais absolutamente natural por todos, sem que se apontem dedos, sem humilhação ou deboche.
Fábio Carvalho, Macho Toy S04 (simetria), 2010/11. Boneco e flores de plástico, pires de porcelana, 37 (v) x 21 (h) x 21 (p) cm. Cortesia coleção particular/Rio de Janeiro
Fábio Carvalho, Frequently secretly, 2012/13. Vídeo, 2′ 55”
RODRIGO VILA: Quando olha para a exposição coletiva “Bordallianos do Brasil” como vê o seu próprio trabalho?
FÁBIO CARVALHO: Eu creio que minha peça presta uma homenagem ao Bordallo Pinheiro, à sua obra e ao universo por ele criado e, ao mesmo tempo, é algo que se relaciona integralmente com toda a minha produção artística. Alguém que não conheça a obra de Bordallo Pinheiro ainda assim verá uma peça que se sustenta conceitualmente por si só e que não precisa da referência original para ser entendida. É Bordallo Pinheiro e Fábio Carvalho ao mesmo tempo, e como apenas um.
RODRIGO VILA: Qual a melhor dica de arte que já recebeu?
FÁBIO CARVALHO: Sempre edite suas ideias, até que um dado trabalho tenha apenas um assunto único e forte e não um emaranhado de ideias. Se você tiver duas ou mais ideias boas, não tente mostrar tudo de uma única vez! Faça dois ou mais trabalhos e tenha certeza de que esses trabalhos são o mais claros e diretos possível, mas, ao mesmo tempo, potentes e subjetivos o bastante para estarem abertos ao maior espectro possível de interpretações.
Fábio Carvalho, Forget me not – nº 4, 2011. Impressão fine art sobre papel de algodão, 40 x 30 cm. Cortesia coleção Marcelo Brandão/Rio de Janeiro
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