Análise Crítica do 11º Festival de Teatro da Amazônia

 

Crítica realizada para a conclusão da disciplina Análise do Espetáculo II, no Curso de Teatro da Universidade do Estado do Amazonas. Orientado e revisado por Vanja Poty.

 

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O 11º Festival de Teatro da Amazônia (FTA) ocorreu entre os dias 10 e 18 de outubro de 2014 no Teatro Amazonas, localizado na cidade de Manaus. O evento tem caráter competitivo e apresentou espetáculos em dois tipos de mostras: a infantojuvenil, pela manhã, e a adulta, no período da noite. Desde a sua criação, o festival é coordenado pela FETAM (Federação de Teatro do Amazonas) e, a partir da sua terceira edição, o evento tem patrocínio do Governo do Estado da Amazonas, através da Secretaria de Estado de Cultura.

As práticas cênicas manauaras caminham, ainda que a passos lentos, para um lugar de reconhecimento, seja pelo Estado, na elaboração de políticas públicas para o setor, seja perante a sociedade civil. Os coletivos de artistas, no entanto, têm dificuldades em dar continuidade às suas pesquisas, fato que envolve diversos fatores: a ausência de espaços para apresentações e ensaios, a ineficácia das políticas públicas — que, além de insuficientes, não compreendem as especificidades do processo artístico, tampouco dão conta do caráter plural das formas de manifestação e criação. Nesse contexto, a realização e continuidade de um evento que completa seu décimo primeiro ano, reunindo trabalhos nacionais e locais, representa uma conquista para a classe teatral da cidade, além de se tornar um espaço de aprendizado para todos os artistas envolvidos.

Podemos observar, entretanto, que sua última edição caracterizou-se pelo mal planejamento — desde o desenvolvimento do edital até o evento propriamente dito. O lançamento do edital foi publicado apenas 24 dias antes da abertura do Festival, no dia 17 de setembro de 2014; além disso, certas determinações são polêmicas e restringem o potencial dos espetáculos apresentados. Por exemplo, a exclusividade do formato italiano e também a obrigação em premiar categorias pré-determinadas pela organização (melhor espetáculo, melhor ator, melhor direção, melhor cenário, melhor maquiagem, melhor iluminação, melhor sonoplastia e melhor texto) e divididas entre público adulto e infantojuvenil.

Essa divisão na premiação estabelece uma relação hierárquica implícita entre seus componentes. Assim, haveria um teatro adulto, considerado mais sério e de maior valor perante o público e, em contrapartida, um teatro menos sério, de menor valor, feito para crianças. Não faz sentido, por exemplo, que o prêmio de melhor atriz ou ator seja separado com base nesse critério. Ademais, as categorias fixas de premiação limitam o reconhecimento de aspectos artísticos que mereceriam maior destaque de acordo com o panorama das obras apresentadas em cada edição do Festival.

Outro ponto que deixou a desejar foi a escassa divulgação do evento. Percebeu-se a diminuição do público em relação a edições anteriores, prejudicando muitos espetáculos. Relacionado a isso, temos ainda o fato de o programa do 11º FTA ter sido disponibilizado apenas em seu penúltimo dia: isso significa que durante quase todo o evento o espectador não teve acesso a informações importantes, como curadoria, sinopse dos espetáculos, nome dos jurados e programação acadêmica. Essa falta certamente contribuiu para a diminuição de espectadores, que não receberam tais informações em tempo hábil.

Dezesseis espetáculos foram apresentados, concorrendo a troféus e premiações em dinheiro. O prêmio para melhor espetáculo é no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e, para os demais, de R$ 3.000,00 (três mil reais). Cabe acrescentar que a participação é remunerada em R$15.000,00 (quinze mil reais) para cada grupo. O que podemos observar, porém, é que, dessa maneira, o FTA cria um vício na dinâmica das produções cênicas da cidade: coletivos e artistas acabam habituando-se em estar em sala de ensaio apenas nos meses anteriores ao Festival.

Assim, durante os meses de agosto, setembro e início de outubro vemos pela cidade muitos grupos apresentando suas novas criações, o que reduz drasticamente a quantidade de processos de investigação teatral pelo resto do ano. Ao longo de três anos em que a disciplina Análise de Espetáculo I foi ministrada no Curso de Teatro da Universidade do Estado do Amazonas (realizada sempre no primeiro semestre anual), encontrava-se grande dificuldade de os estudantes adentrarem nos meandros dos processos criativos locais, justamente em razão da falta de pesquisa teatral fora dos interesses em se participar do festival. E o que acontece com a maioria dos trabalhos apresentados no evento? Perdem-se.

Em relação à restrição do formato do espaço cênico, Manaus tem produzido práticas artísticas que procuram diferentes relações espaciais, buscando promover uma nova relação com o público. Se o festival já está em sua décima primeira edição e se, de acordo com um dos objetivos presentes no edital, o festival propõe valorizar e difundir o panorama das apresentações teatrais, não há razão para insistir na imposição do formato italiano aos espetáculos, determinação contrária à de ampliar as possibilidades de apresentação em outros espaços. Não queremos com isso afirmar e denegrir a cena à italiana diante das outras, mas deixar claro que o Festival poderia compreender a diversidade artística e a amplitude das práticas locais.

Nesse ponto, podemos refletir acerca da relação estabelecida com o público no espetáculo Pintinho 12. Essa obra investiga o sistema carcerário brasileiro, e foi desenvolvida para ser apresentada em proximidade com os espectadores, tratados como presidiários. O trabalho teve que ser adaptado e perdeu parte de sua potência: o espaço também é dramaturgia e influencia diretamente na fruição do espectador.

Vale lembrar que o Teatro Amazonas é tombado como patrimônio histórico pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde 1966. Em razão disso, alguns procedimentos utilizados em cena são proibidos, pois implicam riscos à preservação da estrutura do edifício. Isso quer dizer que os artistas precisam de espaços que contemplem as peculiaridades do fazer teatral.

O Teatro Amazonas é envolvido por uma aura de poder que reverbera nos grupos e na população local. Construído no período mais próspero da extração da borracha, e inaugurado em 1896, o teatro foi idealizado para ser o símbolo da riqueza e status da cidade e de seus barões. Ao que parece, parte dos coletivos almejam aproximar-se dessa simbologia, em busca da posição privilegiada de outrora, em detrimento da simplicidade e da beleza do encontro. Ademais, podemos observar que essa casa de espetáculo contempla melhor apresentações operísticas, com sua suntuosidade, e a presença de aparatos que mais se aproximam dessa linguagem.

É importante ressaltar, apesar das críticas que apresentamos, que a organização do evento esforçou-se no sentido de promover maior acessibilidade para o Festival. Implementou, nessa edição, mecanismos para que pessoas com deficiência auditiva acompanhassem aos espetáculos por meio da tradução em libras. Entretanto, tal recurso não funcionou de maneira completamente positiva, já que a tradução foi feita em uma tela disposta na parte superior do palco, provocando forte luminosidade que atrapalhou a visão do público em geral. É possível imaginar, por exemplo, uma redução da intensidade de luz (como parece ter sido feito a partir do segundo dia do evento), ou mudar o local onde a tela está situada.

Por um lado, a baixa presença da classe artística nas audiências para elaboração do edital é também responsável pelas falhas apontadas. É necessária a reflexão conjunta entre organizadores e cidadãos, discutindo e apontando problemas, buscando soluções viáveis a partir de experiências de anos anteriores e de práticas estruturadas em outros locais. Por outro lado, percebemos o crescimento qualitativo no panorama das apresentações a cada ano, trazendo grande benefício à consolidação das artes da cena como patrimônio cultural da cidade.

 

PARA CITAR ESTE TEXTO

RUI, Ítalo; POTY, Vanja. “Análise Crítica do 11º Festival de Teatro da Amazônia”. eRevista Performatus, Inhumas, ano 3, n. 13, jan. 2015. ISSN: 2316-8102.

 

Revisão ortográfica de Marcio Honorio de Godoy

© 2015 eRevista Performatus e xs autorxs

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