Carolee Schneemann, Exercise for Couples, 1972. Cortesia de Carolee Schneemann
Parto do princípio de que os sentidos anseiam por fontes de informação máxima, de que o olho se beneficia de exercício, extensão e expansão na direção de materiais de complexidade e substância, de que condições que alertam a sensibilidade total – que quase a lançam ao estresse – ampliam a compreensão e a resposta, a gama básica de reações de vitalidade empática-cinética.
Se uma obra performática é uma extensão da atividade formal-metafórica possível no âmbito de uma pintura ou construção, a seleção do espectador de reações e interpretações das formas de performance ainda irá se equilibrar com todas as suas experiências visuais passadas. As diversas formas das minhas obras – colagem, montagem, concretização – apresentam potencialidades iguais para envolvimento sensato.
Eu tenho a noção de que, no aprendizado, nossos melhores desenvolvimentos derivam de obras que inicialmente nos parecem “demais”; aquelas que são intrigantes, exigentes, que nos levam a experiências que sentimos não ser capazes de absorver, mas que simultaneamente provocam e estimulam nossas iniciativas. Tais obras têm o efeito de conter mais do que somos capazes de assimilar; elas mantêm atração e estímulo à nossa atenção continuada. Nós perseveramos com esse prazer e agito estranhos por meio dos quais sentimos recompensas imprevisíveis de nossa relação com elas. Essas “recompensas” colocam em questão – na medida em que aumentam e se enriquecem – correspondências que já descobrimos entre aquilo que sentimos profundamente e como a nossa vida expressiva encontra estrutura.
Qualquer coisa que percebo é ativa para o meu olho. A energia implícita em uma área de tinta (ou tecido, papel, madeira, vidro…) se define em termos do tempo que o olho demora para passar pelo movimento implícito e pela direção dessa área. O olho segue a construção de formas, independentemente dos materiais que são usados para estabelecer as formas. Tal “leitura” de uma área bidimensional ou tridimensional implica duração, e essa duração é determinada pela força do total dos parâmetros visuais em ação. Exemplo: a menor variação de unidade de uma pincelada a outra em um quadro de Velázquez ou Monet; por extensão, quanto maior a escala de ritmos que dirigem o olho em um quadro de Pollock – aquilo que é formatado por uma trama de pinceladas, traços, manchas e marcas individualizadas. A atividade tátil da pintura em si nos prepara para a dimensionalidade aumentada da colagem e da construção: a dimensionalidade literal da pintura vista de perto como superfície elevada, como geologia de caroços, ranhuras, linhas e costuras. Jogos duplos ambíguos de dimensão em ação abrem os nossos olhos à vida metafórica dos materiais em si. Tal ambiguidade se junta ao paradoxo livre do nosso prazer com “tema tradicional” em que somos capazes de ver campos “abstratos” de atividade de pintura antes de descobrirmos a imagem do rei Felipe IV montado em seu cavalo (Velázquez), ou uma sequência de concavidades escuras de arcada, por meio das quais descobrimos, com suas vestes esvoaçantes, que se trata de um santo em ascensão (El Greco).
A vida fundamental de qualquer material que eu uso se concretiza no gesto daquele material: gesticulação, gestação – fonte de compreensão (medida de tensão e expansão), resistência – desenvolvendo força de ação visual. Manifesto no espaço, qualquer gesto específico age sobre o olho como uma unidade de tempo. Artistas performáticos ou vidro, tecido, madeira etc., todos são tão potentes quanto unidades variáveis de gestos: cor, luz e som vão contrastar ou reforçar a qualidade da área de ação de um gesto específico e sua textura emocional.
Ambientes, acontecimentos – concretizações – são extensões das minhas pinturas-construções que com frequência possuem seções móveis (motorizadas). A diferença essencial entre concretizações e pinturas-construções envolve os materiais usados e sua função como “escala”, tanto física quanto psicológica. A força de uma performance é necessariamente mais agressiva e imediata em seu efeito – ela é uma projeção. A exploração contínua e a observação contínua que o olho é obrigado a fazer com as minhas pinturas-construções se inverte na situação de performance em que o espectador é acometido por reconhecimentos em mutação, carregado emocionalmente por um fluxo de ações evocativas e levado ou preso pela sequência de tempo especificada que marca a duração de uma performance.
Dessa maneira, o público fica, de fato, visualmente mais passivo do que quando confronta uma obra que exige visão de projeção, quer dizer, a adaptação internalizada a um processo de tempo variável por meio do qual uma obra “estática” é percebida – a leitura da superfície para a profundidade, do formato à forma, da ação estática à gestual e da unidade de gesto a estruturas dominantes maiores de ritmos e massas. Com pinturas, construções e esculturas, os espectadores são capazes de dar prosseguimento a exames repetidos da obra, de selecionar e variar posições de observação (de caminhar com o olho), de tocar superfícies e de se deixar levar livremente por reações a áreas de cor e textura na velocidade de sua escolha.
Durante uma peça de teatro, o público pode se tornar mais ativo fisicamente do que quando observa uma pintura ou montagem; suas reações físicas terão a tendência de manifestar escala real – em relação a movimentos, mobilidade que o corpo executa em um ambiente específico. Pode ser necessário agir, fazer coisas, ajudar em alguma atividade, sair da frente, se desviar ou apanhar objetos que caem. Isso aumenta seu campo cinético de participação: sua atenção é exigida por um apanhado variado de ações, algumas das quais podem ameaçar passar dos limites da integridade de suas posições no espaço. Antes que possam “raciocinar”, podem perceber que seu corpo está se comportando com base em circunstâncias visuais imediatas: o olho vai receber informação em taxas imprevisíveis e variáveis de densidade e duração. Ao mesmo tempo, seus sentidos são aguçados pela presença de formas humanas em ação e pela temporalidade das ações em si.
Minha formatação da ação de elementos visuais está centrada em suas capacidades paramétricas no espaço. Na performance, as funções estruturais da luz, por exemplo, tomam forma por suas múltiplas alterações como cor – difusa, centralizada, misturada (spot e vazada), intensidade, duração no tempo, domínios de visível/invisível. Os movimentos dos artistas performáticos são explorados por meio de gesto, posição e agrupamento no espaço (densidade, massa), cor e sua própria proporção física.
O corpo em si é considerado como unidades potenciais de movimento: rosto, dedos, mãos, pés, braços, pernas – toda a gama de articulação da forma predominante e de suas partes.
A voz do artista performático é instrumento de articulação: barulhos, sons, canto, choro, comentário sobre ou contra seus movimentos podem ser proferidos: formações de palavra-som são executadas, relacionando-se ao e surgindo do efeito sobre as cordas vocais de um esforço físico específico que experimentam. A voz expressa pressões da musculatura total de modo que somos capazes de descobrir sons únicos possíveis apenas durante ações físicas específicas e que fornecem uma extensão implícita e a intensificação das ações em si.
A distribuição dos artistas performáticos no espaço evolui o fraseado de uma sequência de tempo: níveis de ritmos horizontais, verticais e diagonais ou a necessidade de ritmos conduzidos visualmente por uma figura independente que se move em relação ao ambiente como um todo – modificando dimensões, camadas, níveis. Cada elemento contribui para a imagem. As qualidades ativas de qualquer um dos elementos (corpo, luz, som, papel, tecido, vidro) encontram sua relação necessária a todos os outros elementos e, por meio da conjunção e da sobreposição, a energia cinética é liberada.
A minha exploração de uma imagem em movimento significa apenas que sua realização ultrapassa (ou coincide com) a minha evocação dela. Este não é um processo previsível, predeterminado: na pressão de exteriorizar uma sensação ou qualidade de forma específica, outras circunstâncias ou “atributos” podem ser descobertos, sendo tão claros e exatos que a função do impulso original é compreendida como pedra fundamental e guia ao inesperado. O “acaso” passa a ser um aspecto de um processo que vim a reconhecer como necessidade – o caminho para avanços imprevisíveis, incalculáveis no âmbito da minha própria intenção consciente.
PARA CITAR ESTA PUBLICAÇÃO
SCHNEEMANN, Carolee. “Dos Cadernos, 1962-1963”. Trad. de Ana Ban. eRevista Performatus, Inhumas, ano 2, n. 10, mai. 2014. ISSN: 2316-8102.
Tradução do inglês para o português de Ana Ban
Revisão ortográfica de Marcio Honorio de Godoy
Edição de Hilda de Paulo
© 2014 eRevista Performatus e a autora
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