Na última primavera, a artista Marina Abramović revelou os seus planos para o The Marina Abramović Institute for the Preservation of Performance Art, em Hudson, Nova York, E.U.A. Na seguinte entrevista, Abramović pormenoriza as sutilezas da sua visão institucional.
Marina Abramović representada na ilustração da artista Veridiana Scarpelli para a terceira edição da eRevista Performatus
GRANT JOHNSON: O Instituto para a Preservação da Arte da Performance promete disponibilizar uma localização fixa e material para formas relativamente imateriais. O que está em questão nessa dinâmica? O que é que se ganha ou se perde com a “institucionalização” da performance?
MARINA ABRAMOVIĆ: Sabe que, como seres humanos, somos muito nostálgicos, de certa forma em geral, e achamos sempre que as coisas estão melhor depois de já terem acontecido. Somos nostálgicos pelo passado e, de algum modo, achamos que não é bom mudar algo, porque era melhor da forma que era antes. Estou convencida de que a nostalgia é sobrevalorizada e acho que temos de pensar em termos de presente e do que podemos fazer agora e como podemos usar essa estratégia para fazer algo melhor.
A performance começou por ser, indubitavelmente, uma forma alternativa de arte. Antes acontecia em diferentes espaços, a maior parte deles particulares (garagens, ruas, espaços alternativos etc.), mas esses tempos já se foram. Acho que a performance se encontra agora sob uma nova luz e, nos últimos anos, tornou-se uma forma de arte perfeitamente aceita. E considero que essa forma aceita de arte precisa de uma espécie de instituto, que possa ser visto como plataforma, para se desenvolver.
O que estou fazendo é muito privado, de vários modos, pois creio que com a minha experiência (40 anos em performance) entendi que uma forma da arte da performance de longa duração é a mais gratificante, a que mais se transforma, mais do que qualquer outra experiência de arte, tanto para o público que a vê, como para o artista ou performer que a executa. É por isso que estou criando o Instituto. É muito específico. Não é um Instituto para outro tipo de arte da performance que não a arte de longa duração, e é por isso que é tão diferente, é por isso que não consigo verdadeiramente classificar se é bom ou não para a arte da performance em geral ou não. Destina-se apenas à dança, teatro, música, vídeo, filme, performance de longa duração e incluo também novas formas de arte de longa duração mesmo ainda por fazer.
O meu limite, o ponto de partida do Instituto, é a ideia de seis horas: é necessário passar seis horas e celebrar um contrato comigo em que você me daria o seu tempo. Se não me dão o tempo, não podem ter a experiência. Trata-se, pois, de uma perspectiva muito particular da performance nesse contexto.
GRANT JOHNSON: Você vê o Instituto como resposta a uma necessidade em especial? Qual a razão de criar uma nova instituição e não adaptar ou trabalhar em instituições já existentes?
MARINA ABRAMOVIĆ: Acho que as instituições existentes não acomodam realmente esse tipo de abordagem. Na verdade são apenas antigas e inadaptáveis. Creio mesmo que, depois da minha performance no MoMA [The Artist is Present, 2010], que foi literalmente tão simples, quase coisa nenhuma, e atraiu um número recorde de visitantes, entendi a enorme necessidade do público de experimentar algo numa base personalizada (one-to-one). As outras instituições não dispõem desse tipo de habilidade. Por isso, penso que ter criado a minha própria e ter-me centrado nessa necessidade, de que o público precisa de algum tipo de experiência para chegar ao próprio cerne e alterar consciência, tudo isso requer tempo.
Assim, se eu criar uma instituição, ela irá acolher esse tipo de desejo. E é o que estou tentando fazer. Nas outras instituições isso não acontece, não encontro nada disso em instituições similares. Porque, basicamente, quando se chega ao meu Instituto, tudo o que seja iPods, máquinas fotográficas ou de filmar, relógios e telefones, fica tudo num armário e pode-se descartar tudo isso. E depois vai-se para as salas que são, como sabe, uma ritualização da vida cotidiana, como uma sala de movimento em câmara lenta, uma sala de levitação, uma sala de cristal. Podemos verdadeiramente começar por nos harmonizar no espaço para podermos começar a ver algo que é de longa duração. Não conheço nenhum tipo de instituição com este gênero de estrutura.
GRANT JOHNSON: Você consegue expressar outras formas em que o Instituto se distinguirá de outras organizações ligadas à arte, como os diversos museus, galerias, fundações ou teatros com que estamos familiarizados?
MARINA ABRAMOVIĆ: Qual é a diferença? Uma vez mais, esse é um programa completamente diferente. Em primeiro lugar, se temos um público que queremos manter num espaço durante seis ou mais horas, temos igualmente de garantir que há um programa suficientemente vasto para tal. Isso significa que tenho de fazer encomendas, solicitar a diferentes artistas que criem efetivamente trabalhos de longa duração, mesmo que nunca tenham criado trabalhos assim de longa duração nas suas vidas. A questão é que, para alguns artistas, poderia ser muito benéfico fazerem trabalhos de longa duração. Gostaria de encomendar peças que pudessem ser mostradas como estreia, mas também que artistas muito jovens criassem obras de longa duração. Assim seria algo muito diferente, porque viriam ver estreias de obras que não poderiam ver em mais nenhum lugar. Consigo imaginar um concerto de música com mais de seis horas de duração.
Há muita história em torno de obras de longa duração. Há uma espécie de pesquisa. Temos John Cage, temos um concerto que demora 639 anos, uma dança indiana que demora 173 horas até sua conclusão, a ópera Einstein on the Beach original demora oito horas. Chegam-nos do passado tantas obras de longa duração, que se pode realmente fazer muitas coisas para lá de seis horas. Há, portanto, muita história em torno da arte de longa duração, mas está toda dispersa, aqui e acolá. Quero verdadeiramente refletir sobre a história e pedir para que as pessoas vejam os documentos, mas com o objetivo de criar uma nova história do trabalho de longa duração e dar-lhe continuidade.
GRANT JOHNSON: Posso perguntar como vai a arrecadação de fundos? No meio de uma temporada de intensa campanha política, por que apoiar o Instituto?
MARINA ABRAMOVIĆ: Quanto à arrecadação de fundos, tenho, na verdade, pensado e pesquisado bastante, porque gostaria de angariar fundos de modos diferentes daqueles em que habitualmente se faz. Estou bastante farta de pensar em patrocinadores e nas grandes empresas e nas pessoas que têm o dinheiro. Não posso dizer-lhe o meu plano, porque ainda é segredo, mas estou pensando em novas formas de angariar fundos como nunca antes se fez. É o que posso desvendar por agora. Apenas vamos começar a arrecadar fundos em fevereiro. Ainda estou apenas delineando o plano de como vamos fazer, avançando a partir de várias frentes.
Quero mesmo fazer alguma coisa diferente, porque o Instituto é único e nunca existiu nada nem sequer semelhante no mundo inteiro. Quero oferecer a angariação de fundos dessa mesma forma. Acredito piamente que atualmente temos uma necessidade de alguma coisa, de uma mudança, de algo diferente. E precisamos de uma enorme vontade para apoiar essa necessidade e voltarmos a ganhar o nosso tempo. Estou basicamente a dando tempo a todos, o que nunca foi feito antes. E, dessa forma, também pretendo descobrir o modo como as empresas criam uma necessidade nas pessoas, a qual será satisfeita, para conseguirem algo de tão especial. Por isso, quero que intervenham como patrocinadores aqueles que verdadeiramente acreditam nesse conceito e não apenas os que procuram algo que possa ser dedutível nos seus impostos; isso a mim não me interessa.
GRANT JOHNSON: A minha última pergunta é simplesmente: por que Hudson?
MARINA ABRAMOVIĆ: Bem, a minha primeira escolha, antes de Hudson, foi Bushwick. Encontrei uma grande fábrica em Bushwick, que seria um negócio para oito anos. Em seguida, comecei a pesquisar os níveis de poluição dessa fábrica e descobri que havia muita poluição, pois não havia regulamentação sobre o petróleo nos anos de 1930, de 1940 e de 1950. Depois, a dona pediu-me um valor exorbitante para desimpedir a área, quase o que eu gastaria se construísse o edifício, e não podia reconstruir. Achei isso extremamente perturbador. Então pensei: OK, mas se vou exibir obras que são apressadas, tenho que realmente descobrir o que posso fazer para que até as pessoas com uma percepção decente do tempo sintam que chegam a um espaço onde há mais tranquilidade.
Primeiro comprei a minha casa em Chatham, a 35 minutos de Hudson, e andava à procura de um espaço, sobretudo para armazenamento, e encontrei esse local. Foi aí que pensei: ó céus, não vou fazer disso aqui um armazém, aqui vai ser a minha fundação. Achei Hudson verdadeiramente fabuloso, porque está rodeada de campo e, ao mesmo tempo, é uma belíssima comunidade. Agora estou tentando influenciar outros amigos a investirem em Hudson, porque precisamos de hotéis e de infraestrutura de forma mais concentrada.
Julgo que nos últimos dois ou três anos se notou um desenvolvimento enorme aqui. Há mais de sessenta lojas de design de mobiliário. Temos a Basílica. Já há duas pessoas construindo hotéis, há restaurantes abrindo as portas. E há muita expectativa em torno do meu edifício, porque, como sabe, o plano piloto é da autoria de Rem Koolhaas e da fundação OMA, e basta isso para atrair muito interesse e atenção. Se bem se lembra, quando Frank Gehry fez o Guggenheim em Bilbau, logo o edifício, mesmo ainda sem o conceito, já atraía tanto público para o ver e visitar. Por isso é que tantas pessoas se manifestaram interessadas e o presidente do município já manifestou o seu apoio ao que quer que seja que eu faça para concretizar esse objetivo.
Agora temos de dar início a uma coleta de donativos [um fundo], que julgo podermos começar no próximo ano e, se não acabar, pelo menos tornar possível e funcional até o final de 2014, para podermos dar início ao trabalho com diferentes conceitos. E pelo modo como a situação está, podemos manter-nos no ativo, porque 30 milhões de dólares é muito dinheiro para eu angariar em muito pouco tempo. Mas estou incrivelmente convencida de que conseguirei, porque me encontro atualmente fazendo mega palestras pela Europa, nas quais conto com de 2.500 a 3.000 pessoas na plateia e ainda nem sequer comecei a recolher donativos.
Há sobretudo muita gente nova querendo que o Instituto abra; essa é minha principal base de apoio. A geração mais jovem é muito importante para mim porque eles veem que aqui pode estar um futuro muito interessante e têm uma maior percepção do tempo do que a minha geração. E é por isso que é Hudson. E mais outra razão muito importante é que agora, presentemente, [chegar a] Hudson [de Nova York], de comboio, leva cerca de duas horas ao longo do rio, mas já se está planejando, não sei para quando, mas para um futuro próximo, que o trem demore apenas uma hora para chegar aqui de Nova York, o que é rapidíssimo. Isso vai mudar tudo. Vai tornar tudo mais acessível.
E uma parte disso, o que quero dizer a você, é o que me encontro atualmente planejando: peguei no fundo Jean Tinguely o valor de 500 mil euros, e, com o Luminato Festival de Toronto (que acrescenta mais algum dinheiro), estou construindo um instituto itinerante. Vai ter apenas oito salas e vai ser uma estrutura que se pode desmontar para poder ser transportada para onde se quiser. O contrato do Instituto será de duas horas. Assim, posso levar o Instituto pela Europa afora e já tenho uma longa lista de museus que querem recebê-lo. Será como uma graduação desse Instituto: você vai por duas horas e depois terá que ir à matriz do Instituto por seis horas em Hudson. Vamos começar com o Instituto itinerante em junho, primeiro em Toronto, depois na Basileia e em seguida em diferentes pontos da Europa; em 2014, vai estar na galeria Serpentine etc.
Porque me apercebo que já fiz um projeto em Milão, em que na verdade adaptei o Instituto para um museu já existente e criei o que viria a gerar uma exposição que interagia efetivamente com o público. Mas me dei conta de que quando se trabalha com uma instituição preexistente, temos sempre que nos adaptar ao espaço da instituição, e não só ao espaço como também à história e à infraestrutura da instituição, e que não é necessariamente uma história de que se goste ou que se queira. Mas com um instituto que se possa montar e desmontar, podemos sempre instalá-lo no parque junto ao museu, fazer uso das condições do museu (sanitários, bar etc.), mas continuarmos a ser os detentores do espaço. E é isso que estou fazendo agora. No próximo ano, quando estiver arrecadando o dinheiro, terei esse Instituto itinerante viajando por todo o lado e esse Instituto será uma apresentação e uma introdução ao Instituto principal.
Esta entrevista foi editada para maior compreensibilidade. Grant Johnson escreve regularmente para a Performa Magazine.
PARA CITAR ESTA PUBLICAÇÃO
JOHNSON, Grant. “‘Precisa-se de Tempo’: Entrevista Com Marina Abramović”. Trad. de Susana Canhoto. eRevista Performatus, Inhumas, ano 1, n. 3, mar. 2013. ISSN: 2316-8102.
Tradução do inglês para o português de Susana Canhoto
Revisão ortográfica de Marcio Honorio de Godoy
Edição de Mãe Paulo
© 2013 eRevista Performatus e o autor
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