Experiências Transeuntes – O Corpo-Espera Na Cidade

 

Na contemporaneidade, o cotidiano das cidades está entrelaçado por diversas narrativas transmitidas como resultados das interações entre as pessoas. Os efeitos de tais interações interferem diretamente na produção do conhecimento e nas transformações sociais. No dia-a-dia, os fragmentos que compõem o tecido da memória são gerados pelo encadeamento dos discursos da cidade, em suas diversas esferas. Walter Benjamin (1994) descreve que a experiência de narrar (…) é uma forma artesanal de comunicação. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele [1].

Partindo desta premissa, pode-se dizer que as narrativas circulam entre os grupos e redes sociais, ressignificando o cotidiano através das contextualizações dadas pelos seres que se comunicam. Como compreende Mikhail Bakhtin (1993), as narrativas são dialógicas, permeadas por fragmentos de discursos que articulam falas sociais em sintonia ou em contradição, sendo reconstruídas a partir de diferentes posicionamentos. Com isto, pensar o cotidiano como lócus de discursos contrários, de enfrentamento e de fricção de ideias, possibilita entendê-lo como um palco privilegiado de experiências com sentido renovado, em que o tempo presente acolhe o saber multicultural e multifacetado:

 

Visto como lugar da constituição dos laços e da sociabilidade, o cotidiano torna-se palco de uma teatralidade com cenas, atores e enredo que paradoxalmente, se repetem e se renovam (…) a vida cotidiana caracteriza-se pela heterogeneidade e pela hierarquização dos elementos que a configura. [2]

 

Sendo assim, as narrativas cotidianas compõem um conjunto de experiências que se agrupam ou se distinguem, possibilitando a formação de diferentes ideologias, em um fluxo ininterrupto de vida (CERTEAU, 1994). Esta complexidade de discursos articula processos de construção de identidades distintas, abalando convenções vigentes e estruturando novos laços de socialização. Tais laços constroem no indivíduo diferentes perspectivas, confiança nas relações, novos pontos-de-vista e demais elementos constituintes da identidade, que, por conseguinte, tem um caráter processual, dado ao longo dos esforços de construção autônoma (HALL, 1996). Então, como pensar em narrativas artísticas dialogando com as narrativas das ruas, criando possibilidades de novos discursos a partir do confronto entre a obra e o espectador transeunte?

As intersecções potencializam os posicionamentos dos seres no mundo, gerando consciência sobre os processos sociais. A ocupação de espaços públicos e a interrupção do fluxo cotidiano questionam e pontuam questões sociais na busca da “participação [do espectador] como auto-experiência e autorreflexão” (LEHMANN, 2007, p. 171). Sendo assim, pode-se dizer que a configuração de interrupções do fluxo cria situações multifacetadas de aproximação com a vida.

Com isto, a suspensão do curso dos pedestres como uma tentativa de efetivar as diversas relações corporais, sensitivas visa mobilizar o espectador a atentar não só para a sua presença, mas para outras pessoas, coisas, espaços ao redor da cidade em múltiplos focos de atenção. Mediante a este ponto, o teatro contemporâneo passa a pensar na construção de discursos desafiadores ao espectador, possibilitando a ele fechar a obra, caminhando opostamente aos sentidos rígidos de arte: O teatro repousa entre o que está escondido e o que é mostrado, sobre o risco da obscuridade que de repente faz sentido [3].

A respeito de tais aspectos, pode-se pensar o cotidiano como potência para discursos artísticos, cujos desdobramentos permitem provocar pequenas rupturas nas convenções diárias, modificando certas visões mecanizadas sobre a urbe. Porém, como é possível traçar olhares estéticos sobre a cidade? Pode-se falar em estetização do cotidiano a partir das intervenções artísticas que invadem o espaço, habitando novas formas de vida? Diante das problemáticas desta época, em que as interações midiáticas fazem parte constante da vida social, os novos discursos de ocupação e aproveitamento da cidade possibilitam diferentes interpretações dos sujeitos sobre os outros e sobre eles mesmos. As narrativas artísticas que buscam estetizar os espaços públicos advêm das tentativas de emancipação da fala crítica e sensorial do cidadão.

Os estudos atuais sobre a estetização do cotidiano vêm aumentando ao longo das últimas décadas dentro da área teatral, uma vez que parte dos grupos teatrais contemporâneos brasileiros passa a enxergar as ruas e os espaços públicos como locais de confronto estético, político e ideológico. Em diversas cidades, o teatro tem tomado os espaços públicos como meio de comunicação com os transeuntes. Com o propósito de estabelecer as ruas como ambiente propício à estetização, diversos grupos subvertem as relações enrijecidas entre arte e mercado (BENJAMIN, 2000), e as relações que colocam o espectador como mero pagante (DESGRANGES, 2003), extrapolando, assim, as noções usuais de espaços públicos, geralmente compreendidos como meros lugares de passagem para outros espaços:

 

Buscar procedimentos de criação que nascem da percepção de que a cidade impõe formas de uso social e, ao mesmo tempo, condiciona modos de operação, permite pensar ações de ruptura. A noção do urbano não como projeto, mas como ambiente implica uma percepção que observa os movimentos e deslizamentos da cultura e os comportamentos que constroem aquilo que vemos como a cidade. [4]

 

Este enfrentamento entre determinados poderes hegemônicos enraizados nas cidades e as intervenções artísticas somente é possível pelo fato do cotidiano não ser exato, e sim, permeável, mutável, viabilizando rompimentos e cruzamentos de ideias. A rua e os espaços públicos tornam-se locais privilegiados no campo das intersecções, pois eles são abertos à livre circulação de identidades, pessoas, gêneros, etnias. Sendo assim, por meio das ruas, certos acontecimentos podem escapar às formas estabelecidas, pois os corpos intervêm sobre outros corpos, em um caminho duplo de reflexividade e autorreflexividade: A exposição a uma obra ou acontecimento provoca uma confrontação, e aquele que se expõe sofre o impacto desse confronto [5]. Ainda neste sentido, pode-se dizer que a consciência dos indivíduos vem, então, por sobreposições de conceitos, sugestões e confrontos contextualizados em cada cidade, em cada comunidade, tornando o público da “obra” em paciente e agente simultaneamente.

Dentro destas perspectivas, o presente relato pretende analisar dois procedimentos artísticos / performáticos realizados na região central de São João Del Rei (MG), criados por um grupo de pesquisa teórico-prática da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ) denominado “Transeuntes: Estudos sobre Performance”. A ideia inicial parte do desejo do autor [6] deste relato em estabelecer possíveis reflexões sobre os diferentes impactos que as intervenções urbanas e performáticas podem ocasionar nessa cidade, já que o coletivo em questão instituiu as ruas e os espaços públicos como locais de pesquisa e ocupação.

 

Sobre o Grupo de Pesquisa “Transeuntes: Estudos sobre Performance”

Criado em 2012, o grupo de pesquisa “Transeuntes: Estudos sobre performance” [7] foi formado a partir da necessidade deste em ampliar os estudos sobre as intervenções artísticas nas ruas. Em parceria com os alunos da disciplina Performing Arts, ministrada em 2011 no Curso de Teatro (COTEA) da UFSJ [8], o projeto consiste, entre outros pontos, em estudos teóricos sobre determinados autores que abordam o teatro nas ruas e, também, em experimentações práticas que visam inserir o espectador transeunte na construção dos processos criativos, a partir das temáticas referentes às abordagens atuais. A pesquisa tem como principal objetivo investigar as propostas de estreitamento entre a cena contemporânea e o espectador transeunte nas ruas de São João Del Rei, visando analisar a inserção do público como participante das ações performáticas, na busca de:

 

(…) Utilizar o ambiente urbano de maneira diferente das prescrições implícitas no projeto de quem o determinou; enfim, de dar-lhe [espectador-cidadão] a possibilidade de não assimilar, mas de reagir ativamente ao ambiente [9].

 

Desde o surgimento da disciplina supracitada, este grupo de pesquisa tem como parte dos eixos temáticos as diversas formas de machismo na sociedade brasileira, tais como: a construção da mulher na atualidade, a mulher vista sob a forma de “corpo de consumo”, a mulher como propriedade privada e domesticável; entre outras questões que se adequam a estas acima descritas. O método utilizado para a criação das intervenções nas ruas se baseia na construção de cenas performáticas a partir de diversos materiais coletados no cotidiano da cidade, como recortes de jornais sobre a temática na mídia local, materiais históricos regionais e nacionais sobre a situação da mulher em Minas Gerais e no Brasil, entre outros referenciais teóricos. A partir de tais temáticas, investiga-se o processo juntamente ao público formado por transeuntes, por espectadores convidados e apoiadores da pesquisa. Após as apresentações de cada mostra, rodas de discussões são abertas acerca das temáticas. O projeto caminha ao encontro da conscientização de formação de público, constituído por moradores da cidade de São João del-Rei tendo a rua como local privilegiado da recepção.

 

Os procedimentos performáticos na cidade: Experiências com os transeuntes

 

1. 

Procedimento “Corpo-Espera”

Local, data e hora: Centro comercial de São João Del Rei. 26 de abril de 2012. 17h30.

Pesquisadores envolvidos: Alunos membros do Grupo

Preparação: Os participantes deste procedimento encontraram-se em frente ao Solar da Baronesa (região central da mesma cidade). Posteriormente, foram à casa de uma das integrantes do grupo para trocarem de roupas e realizarem exercícios físicos a fim de aquecerem o corpo e atingirem a concentração grupal.

Descrição do procedimento: Performers com vestes coloridas e partes dos corpos pintados ficam imóveis em meio ao centro de São João Del Rei. Todos os performers aguardam algo. Mas, o que esperam?

Diálogo com o público: O teatro ainda pode incomodar? Esta pergunta foi o mote inicial da pesquisa que gerou o procedimento em questão. Em meio às amplas conceituações relativas à Performance Artística, ou Performing Art, estudadas pelo grupo, houve certos denominadores em comum que interessavam a este como objeto de estudo, tais como: o incômodo e a provocação que a performance pode gerar. Revisitando determinados conceitos dados por Richard Schechner (1976) que caracteriza tal arte como, grosso modo, por ações feitas por artistas de áreas diferenciadas, em um modo de expressão cuja criatividade é estabelecida, e que mais tarde Roselee Goldberg (2006), irá preferir a expressão live art, pois acredita que esta terminologia possui uma maior aproximação entre arte e vida, pode-se afirmar que este procedimento artístico-performático provocou: “Então, corpos parados são corpos artísticos? Isto é arte? Falta do que fazer. Bando de loucos” [10]. Estas foram algumas das definições ouvidas pelos performers e pelo autor do presente texto durante a apresentação de “Corpo-Espera”, pois os transeuntes necessitavam enquadrar aquilo que viam em algo aceitável ao olho nu, ou seja, algo que fosse inserido na padronização comum que usualmente damos às pessoas, objetos e tudo mais que alcança aos olhos. O caos não pode perdurar. Ele deve se ordenar, se encerrar em um ponto normatizado para o “bem-viver”. Não há como não remeter a ideia deste procedimento à arte conceitual de Marcel Duchamp (1917), que colocou em sua obra “Fountain by Richard Mutt”, certos questionamentos sobre a arte como um princípio de ruptura ao que era considerado até então, o bom gosto artístico, retirando as certezas acerca da diferenciação entre arte e não-arte.

Os corpos parados em meio ao calçadão interrompiam, literalmente, o transeunte, pois este precisava mudar o seu percurso, caso desejasse dar continuidade aos seus passos, já que os performers estavam próximos uns dos outros e, de certa forma, atrapalhando a trajetória cotidiana alheia. Ao ser interrompido por “Corpo-Espera”, o espectador pôde decidir dialogar com a obra, ou continuar o seu caminho. André Carreira (in LIMA, 2008) descreve que o teatro contemporâneo, como forma de intervenção artística e urbana, pode interferir no olhar do espectador sobre a cidade: A tomada de espaços da cidade por intervenções artísticas sempre implica na criação de ‘estados de ruptura do cotidiano’ [11]. Carreira acredita que as intervenções artísticas são capazes de incorporar o funcionamento da rua, realizando quebras nos ritmos cotidianos. Sendo assim, as interferências teatrais podem ser vistas como atos de resistência e de ocupação do espaço urbano. Logo, as intervenções são capazes de deformar as linhas que definem as cidades, exigindo um novo olhar dos transeuntes. Desta maneira, entende-se que a cena contemporânea intervindo nas ruas, apropria-se de interações face a face com os espectadores. Esta ótica possibilita uma leitura que dilui os limites da teatralidade para assimilar ao espectador um caráter real.

Sendo assim, alguns passantes se permitiam ver, outros riam, e outros tentavam entender, dialogar, perceber o entorno. O cotidiano deixou de ser, momentaneamente, apenas local de passagem, passando a ser visto sob outra ótica. As cores reluzentes dos performers atacavam, invadiam as ruas. Uma performer não se conteve em dar cor apenas às suas roupas, banhando o seu corpo com muita tinta. Tais cores ultrapassaram a performer que estava em um estado extracotidiano. A “espera” dos performers contaminava muitos espectadores que, por vez, resolveram esperar também, pois algo poderia acontecer: “Vai ser apresentação teatral?”, indagou uma senhora. “O que vai acontecer aqui?” – Perguntou uma mulher curiosa enquanto estava de mãos dadas com a sua filha, parecendo sair de uma escola formal (devido ao uniforme usado pela criança). Os performers apenas esperavam, gerando mais dúvidas nos cidadãos passantes. O lugar da espera era subjetivo, pois os performers aguardavam múltiplos acontecimentos. Em um relato posterior à performance, os atores explanaram, um a um, sobre os motivos individuais criados a fim de darem motivação à espera: esperando o ônibus, esperando um homem, esperando a morte, esperando o celular tocar, esperando a chuva que não vem, esperando um homem sair do caminho. Portanto, o procedimento “Corpo-espera” propôs uma vivência com o espectador transeunte através dos corpos dos performers, atuando fisicamente próximo ao espectador, atingindo o mesmo, não pelo verbo, mas pela percepção dos sentidos. Com isto, as imagens dos corpos parados foram geradoras de sensações responsáveis para manter o espectador próximo, em contato com o procedimento, em um jogo que também possibilitava o afastamento, o desinteresse e o devaneio.

 

Procedimento performático “Corpo-espera”. São João Del Rei, MG, Brasil, 2012. Foto de Marcelo Rocco

 

2.

Procedimento “Mulher-Utensílio”

Local, data e hora: Centro comercial de São João Del Rei. Precisamente em frente à loja Ricardo Eletro. 10 de maio de 2012. 17h30.

Pesquisadores envolvidos: Alunos membros do Grupo

Preparação: Os participantes deste procedimento encontraram-se em frente ao Solar da Baronesa (região central da mesma cidade). Posteriormente, foram à casa de uma das integrantes do grupo para a troca de roupas e realizarem exercícios físicos a fim de aquecerem o corpo e atingirem a concentração grupal.

Descrição do procedimento: Donas de casa realizando suas atividades diárias em frente ao centro de compras. A ideia da repetição mecanizada das tarefas cotidianas. A submissão dos corpos femininos frente aos corpos masculinos. O lugar da mulher: A mulher que acopla o lar doce lar, a mulher que passa o ferro, passa a vida, passando a roupa. A mulher de ferro. A mulher que se ferra. A mulher que limpa e sorri. A mulher que apanha e sorri. A mulher que dá e sorri. Coisa de mulher. Mulher coisa. A mulher moderna que trabalha fora, que faz o seu varal. A mulher que não gosta do que vê no espelho. A mulher que costura e sai linda para as compras. A mulher dona de casa perfeita. A mulher que sabe agradar seu macho. A mulher que faz pose para a foto.

Diálogo com o público: As atrizes performers posicionavam-se em frente à loja de eletrodomésticos denominada “Ricardo Eletro” (região central de São João Del Rei). Cada mulher, em seu nicho, dava início às atividades cotidianas das donas de casa: lavar, cozinhar, varrer, bordar, depilar-se, entre outras atividades escolhidas previamente pelas performers. A ideia inicial era causar um estranhamento nos espectadores frente à repetição das ações, transformando as figuras femininas em “seres coisificados”, mecanizados pelo dia a dia. Tal ideia pareceu funcionar. A rua, como lugar vivo, possuía um conjunto de signos que não parava de circular: promoções, compras e vendas, anúncios, barulho ininterrupto, etc. Tal vivacidade colaborava com as características de parte daquela cena que, por sua vez, buscava peculiaridades flexíveis e multifacetadas, dando um sentido aberto à proposta, na comunhão de vozes com o espectador. Sendo assim, rapidamente, os transeuntes paravam ao redor da performance, curiosos pelo decorrer das cenas abertas. Naquele dia, a região central estava com um grande fluxo de cidadãos passantes, devido ao “dia das mães”, que proporcionava grande circulação de pessoas e produtos. Os funcionários de diversas lojas saíam para prestigiar (ou desprestigiar) o procedimento. Em frente às lojas em que a performance decorria, um funcionário resolveu aumentar o volume musical de um aparelho de som, cujas músicas eram de origem eletrônica, ampliando a atmosfera perturbadora e caótica das cenas que se seguiam. Os eletrodomésticos em frente às lojas, bem como os preços promocionais dos produtos, auxiliaram na construção cenográfica da “Mulher-Utensílio”, propondo a arquitetura da cidade como lócus privilegiado do fazer artístico. Tal arquitetura proporcionou o acolhimento do espectador transeunte, em uma articulação entre os cenários oferecidos pela cidade e o procedimento em questão, buscando criar novas molduras espaciais no centro urbano, objetivando assim, a troca de experiências entre a cena e o espectador, na fala de Grotowski, o teatro é tudo que ocorre entre o espectador e o ator [12]. As ações totalmente atípicas para um espaço público, como os fazeres domésticos, causaram um estranhamento ainda maior com a entrada dos performers masculinos a fim de submeterem as mulheres em situações vexatórias, colocando-as em posições domesticadas, em um intenso jogo das questões privadas e públicas, forçando uma reação dos transeuntes, formatando, assim, uma resposta dos mesmos. Frente às constantes humilhações em que as performers se faziam passar, alguns espectadores tentaram um contato corporal com as artistas, visando entender, ainda que sob o olhar conteudista, aquela cena. Porém, não obtiveram respostas conclusivas por parte das performers. Durante as repetições das ações performáticas, a maioria dos transeuntes ficava ao redor da cena, ora acompanhando com olhares, ora caminhando na mesma direção, provavelmente instigados pelo desfecho daquela ação. As atrizes provocavam os olhares masculinos, desejavam ser vistas, eram expostas às situações de humilhação. Algumas pessoas riam, outras ficavam um pouco irritadas com a interrupção abrupta do cotidiano. Restava então a pergunta: por que a maioria apenas observava? Faltava mais força à performance? Ou os transeuntes entendiam que aquilo era teatral e, com isto, colocavam-se na posição de contempladores? Estas perguntas são investigadas até hoje pelo grupo em constante processo de descoberta, não obtendo uma resposta conclusiva, mas sim, analítica.

 

Performance “Mulher-Utensílio”. São João Del Rei, MG, Brasil, 2012. Foto de Marcelo Rocco

 

Notas finais

Mediante a estas noções sobre a Performance Artística, pode-se dizer que os lugares estabelecidos para as ações performáticas são socialmente construídos, fazendo com que os performers adquiram papéis de narradores de diversos discursos cênicos, experimentando assim, quais os limites existentes nas relações de aproximação com os espectadores a quem eles se dirigem, a fim de confeccionarem estéticas próprias desta múltipla linguagem. Além desta investigação acerca dos elementos constituintes da Performance, o grupo “Transeuntes” dedica-se a estudar os conceitos relativos à recepção estética, caminhando além da área teatral. Bakhtin (1993) refere-se à recepção como os esforços dos agentes do discurso em construir territórios comuns a fim de firmar um diálogo. Pode-se dizer que estes esforços agregam valores, concordâncias e discordâncias sobre assuntos determinados, confrontando ou revisitando questões a respeito da sociedade. Referente ao campo teatral, a recepção estética pode ser mais aguçada a partir da investigação na rua, em que a própria relação de diálogo com o espectador se modifica devido ao caráter de liberdade de movimento (JACOB in LIMA, 2008). Ainda nesta direção, pode-se pensar que as criações artísticas, tais como as descritas acima, são parte do tecido que compõe a cidade, pois elas possibilitam outras formas de sentido de espacialidade, recombinando ações, diluindo barreiras, inventando intersecções. Sob tais aspectos, pode-se pensar que novas narrativas são delineadas a partir das ocupações das cidades, caminhando além das noções sedimentadas de usos das mesmas.

 

Referências Bibliográficas

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HALL, S. Identidade, Cultura e Diáspora. In: Revista do patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Cidadania. N.24. Brasília: Ministério da Educação e da Cultura, 1996.

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GOLDBERG, RoseLee. A arte da performance – do futurismo ao presente. São Paulo: Martins Fontes, 2006

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Marcelo Eduardo Rocco de Gasperi

Professor Assistente da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ) – Área de Licenciatura em Teatro (COTEA), fixado no Departamento de Letras, Artes e Cultura (DELAC). Doutorando em Artes (UFMG), Mestre em Artes Cênicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) 2008; Especialista em Pós-Graduação/ Latu Sensu em Pesquisa em Arte e Cultura, na Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) – Escola Guignard em 2008; Graduado em Direção Teatral pela Universidade Federal de Ouro Preto, em 2006. Graduado em Licenciatura em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Ouro Preto, em 2006.

 

 

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