BrP: Um, Dois, Três… Testando!

 

No mês de maio de 2015, a Associação Brasil Performance completou cinco anos de existência. A BrP [1] é uma associação sem fins lucrativos, juridicamente composta por uma diretoria com doze membros [2] e aproximadamente vinte associados [3]. Somos também uma rede virtual [4] que ultrapassa os 4600 seguidores e temos simpatizantes espalhados pelos quatro cantos do mundo. Nosso propósito, louvável e quase impossível: agenciar coletivamente a performance como linguagem nas esferas macro e micro políticas da cultura brasileira.

De uma BrP “real” e “virtual” somos feitos e, com este dossiê, ariscaremos algumas ideias a oito mãos e em quatro partes. Um “abre alas” dessa que vos fala, na sequência, um “olhar emprestado” da mais nova máquina de guerra inventada pelo mestre André Bezerra e, da metade até o fim, com Rodrigo Munhoz e Lucio Agra, histórias sobre esta jovem aniversariante BrP.

Há, pelo menos, dois modos de participar da BrP. Um resulta de sua matéria jurídica, afinal somos uma entidade voltada à representação de um grupo, e o outro é conectado a experiências de ordem não institucional, como zonas autônomas temporárias [5], coletivos e redes virtuais.

Enquanto a BrP “real” buscou meios para criar uma representação da atividade da performance junto às entidades, instituições, órgãos administrativos públicos e privados e, em cinco anos, teve uma adesão de associados bastante tímida, a BrP “virtual” concretizou um território de cultura de compartilhamento em rede numeroso e que cresce dia a dia para a arte da performance. Um feito local que nos conecta com a iniciativa de Ignacio Pérez Pérez e Aidana María Rico Chávez, moderadores da Performancelogía [6].

A sensibilidade das pessoas para esta forma contemporânea de organização horizontal e online parece querer nos dizer que a outra, nitidamente herdada de um contexto moderno, de concepção macropolítica, baseado na representação de classe etc., faliu, perdeu seu motivo de existir. Para além das discussões que poderíamos levantar sobre a pertinência de uma atuação por representação, gostaríamos de extrair algo que nos ocorreu em meio a esta parte “sem êxito” da BrP.

Terreno de teste. Esta é uma expressão que designa, na área de arquitetura e urbanismo, uma concepção de espaço que as cidades deveriam reservar para a realização do que ainda não tem viabilidade. O objetivo é vivenciar o novo, o totalmente diverso, avesso, “inaceitável” aos olhos de quem busca na cidade sua concepção mais tradicional. Tivemos contato com essa ideia a partir da mobilização que ocorre no Largo da Batata, no bairro de Pinheiros em São Paulo. Esse lugar passou por um processo de gentrificação, perdendo sua ligação com a história local, de moradores e de trabalhadores de seu entorno. Tal despersonalização está sendo revertida com a atuação de um grupo de pessoas que procuram dar à presente configuração “cara de nada” do largo outro sentido, o do terreno de teste. A experiência vem se demonstrando satisfatória, pois desde que a ação começou o lugar recebe programações culturais diversas, desde eventos mais “oficiais” até outros de caráter experimental. Tudo é bem vindo, pois é ali que estão sendo testadas ideias que, quem sabe, poderão ser praticadas futuramente nas cidades. É como conclui uma das articuladoras do movimento, Laura Sobral, “por que não termos terrenos de teste na cidade onde você possa testar novas coisas e eventualmente transformar isso em políticas públicas se houver sucesso?” [7] Queremos que o largo continue assim, dada a riqueza de acontecimentos que se tem semana a semana.

O espírito dessa prática com o terreno de teste acendeu uma luz no fim do túnel para ressignificar nossa parte BrP “sem êxito”. Talvez a face “demodê de ser” da Associação Brasil Performance tenha nos favorecido uma experiência análoga ao que o Largo da Batata está oferecendo aos cidadãos e urbanistas.

Ao percebemos que uma atuação como prevíamos estava longe de acontecer, pois não deslanchamos como uma entidade representativa dos performers no Brasil e não obtivemos respostas nas tentativas de concorrer a editais, insistimos em existir a partir da organização de uma atividade anual: o Perfor, fórum da BrP.

Em tempos de um flagrante desânimo no que se refere a articulações orientadas por representação, a associação se tornou um “terreno de teste” para performers. E o que essa experiência nos trouxe até o momento? A descoberta de que a produção de um evento realizado por artistas é em si uma obra artística e, também, a compreensão do quão importante é garantir um espaço de encontro flexível e aberto às mais diversas expectativas em relação à linguagem da performance. Durante as cinco edições do Perfor, as pessoas se apropriaram do espaço como bem desejaram. Por exemplo, alguns se aproveitaram dele para testar alguma ideia embrionária, para se testar como performer, para encerrar um ciclo de trabalho, para retomar uma pesquisa, para ritualizar o próprio corpo por meio da arte, para extrair ideias de novas plataformas de criação e produção. Os exemplos são inúmeros.

Essa noção vinda da arquitetura e urbanismo nos ajudou a formular uma ideia sobre a atuação da BrP que nos satisfez e nos encorajou a propor este dossiê. Vamos então ao que nós da BrP podemos contribuir para essa história recente da performance brasileira por intermédio de nossos colaboradores.

André Bezerra faz uma leitura das cinco edições do Perfor a partir de argumentos desenvolvidos em sua dissertação de mestrado recentemente defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Trabalhando com informações extraídas das fichas de inscrição e documentos diversos relacionados ao evento, Bezerra faz uma análise comparativa de dados que busca possíveis sentidos para o que estamos realizando como fórum de performance. De sua parte, Rodrigo Munhoz não titubeia em mesclar um percurso pessoal com uma reflexão sobre a atividade de moderador da rede virtual da BrP. É a partir do meio digital que sua relação com a performance se fortalece, num crescente, que o leva, dentre outras coisas, à criação de uma nova plataforma – lugar de compartilhamento de processos artísticos –, enquanto continua “tudo junto e misturado” sua articulação com nossos mais de 4600 participantes da rede.

Antes da BrP, existiu a “proto-BrP”. Lucio Agra escreve sobre isso, além de um relato detalhado sobre questões que nos acompanharam durante esses cinco anos de associação.

É com muita alegria que ocupamos este espaço gentilmente cedido pela eRevista Performatus para celebrar nossos cinco anos de Associação, e esperamos que nosso feito também possa incentivar outros testemunhos do que vimos fazendo como performance no Brasil. Saravá!

 

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TO PERFORM, TO PERFOR

André Luiz Rodrigues Bezerra

 

Há pouco mais de um ano defendi minha dissertação de mestrado voltada para um mapeamento dos performers com produção no Brasil e com base nas fichas de inscrição do Circuito Regional de Performance BodeArte. Desde então retorno a esse material e enxergo aquilo que me era imprevisto na ocasião em que o escrevi, como cada unidade resistente que insiste em fazer encontrar a performance brasileira numa rede sensível de múltiplas diferenças (em prática, pesquisa, abordagem, percepção) que coexistem em performance.

Fazer encontrar a performance é uma ação performática, defendi na ocasião de escrita da dissertação. Chamei essa potência de produção-como-performance, proposição conceitual e poética a partir da qual quis colocar em foco o fato de que produzir espaços para a circulação de performances e pensar em diferentes estratégias de encontro entre práticas diversas se constitui como ação política e performática daqueles que decidem se propor esse tipo de (des)estrutura.

Disse política e devo me corrigir; chamei essa produção-como-performance de porítica, uma política dos poros, uma política do calor e do frio, do roçar e excitar, do arranhar, do lamber, chupar e comer, de corpo inteiro, do encontro de corpo inteiro, uma política das ações que só é possível no encontro entre corpos. Dentro de minhas pesquisas e de minha experiência como produtor do Circuito BodeArte, essa porítica foi o nome que dei, e conceito que investiguei, para falar de minha experiência no BodeArte e em outros eventos em performance que despontaram pelo Brasil entre a primeira e segunda década do século XXI.

Fala-se bastante, e eu me incluo nesse grupo, sobre a ausência de uma esfera de financiamento com continuidade através de editais públicos para ações no campo da performance. Ao meu ver devemos continuar falando e insistindo.

Todavia, ao olhar para eventos como o Circuito BodeArte proposto pelo Coletivo ES3, o Perfor criado pela Associação Brasil Performance, o Festival do Apartamento há mais de uma década produzido por Thaíse Nardim, Ludmila Castanheira e Rodrigo Emanoel Fernandes, o Trampolim ativado por Rubiane Maia e Marcus Vinícius, ou o P.Arte conduzido por Fernando Ribeiro e Tissa Valverde, é difícil não notar a contínua rede de elaborações que se constituíram a despeito do financiamento através dos editais.

Ignorar que a performance resistiu e se ampliou nesses contextos propiciados pelo investimento de tempo, esforço, recursos e pensamento de pequenos grupos de artistas por diversas regiões do país, seria perder de vista um dos mais ricos campos para pensar e acessar a produção em arte da performance brasileira e a diversidade de compreensões e acionamentos da ideia de performance aberta pelo processo de cada performer no contexto em que vive.

Assim, realizei minha pesquisa de mestrado e fui convidado a colaborar com um conjunto de escritos que se voltariam ao Perfor, encontro/fórum da Associação Brasil Performance, progredindo nessa linha que muito me encanta pelo espaço conceitual e porítico que potencializa para existir. Aceitei com tremendo entusiasmo e proponho aqui a leitura dos dados reunidos pelos anos de realização e participação desse evento de performance brasileiro.

Apresentarei considerações sobre os agrupamentos em que esses dados foram divididos e comporei um espaço comparativo do período de cinco anos e cinco edições de ocorrência do Perfor.

 

To Do, To Perfor

Instituída a partir de 2010, a Associação Brasil Performance foi concebida, no ato de sua fundação na cidade de São Paulo, como um modo de coletividade de abertura para discussão e participação nacional, cujo intuito era criar um espaço de defesa e luta pelos e com os performers pela linguagem da arte da performance no Brasil.

Desde o ano de sua fundação e oficialização como associação registrada, a BrP iniciou a produção de seu fórum, um encontro nacional com foco na arte da performance e na construção de diálogos e circulação sobre informação nesse campo.

O encontro é chamado de Perfor, de performance (per) e fórum (for). Sugere uma consideração interessante ao se denominar como um fórum, que em sua base é uma forma de convivência e debate aberto, e cujo próprio nome se vincula à palavra latina foris, que designa a área fora do espaço amuralhado de uma cidade. A discussão fora dos limites do território oficializado, e sob novas possibilidades além dele, procurada pelos membros da Associação BrP, se entrelaça de maneira exímia com a escolha da ideia de um fórum.

A primeira edição, o Perfor1, ocorreu no Centro Cultural da Espanha e no Cine Galpão entre os dias 13 e 16 de novembro de 2010. A periodicidade do evento foi mantida apresentando continuidade anual até 2014. De 01 a 03 de dezembro de 2011 aconteceu o Perfor2: Atravessar com a Performance, realizado no espaço da Oficina Cultural Oswald de Andrade; o Perfor3: Performarias? foi organizado no Instituto Volusiano entre 08 e 09 de dezembro de 2012; a quarta edição, Perfor4: Onde?, adotou a perspectiva de realização integral de sua programação nas ruas da cidade de São Paulo entre 15 e 17 de novembro de 2013; e a última edição, que teve como título Perfor5: Quando?, ocorreu no Paço das Artes, entre 14 e 16 de novembro de 2014.

 

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Cartazes das cinco edições realizadas do Perfor (Fonte: Site da Associação Brasil Performance)

 

Cada ficha de inscrição, troca de mensagens e projeto isolado reunido por um evento nos permite, em seu conjunto, observar a aparição de emergências, pontos e questões não aparentes, mas que são corporificados quando os observamos coletivamente. Através do mapa de dados podemos perceber padrões, o estabelecimento de caracteres importantes para a experiência que o encontro procurou organizar em si e para seus participantes.

Meu objetivo, ao olhar para esse material, é o de abertura de perspectivas e de olhares sobre o universo dos dados reunidos, sem afirmações que arrazoem o contexto de realização do encontro, nem pretensão de encerrar a quântica de suas leituras possíveis.

Na primeira edição do Perfor, há predominância de trabalhos realizados in door por um grupo de artistas em grande parte com produção focada na cidade de São Paulo. Houve participantes em equilíbrio entre artistas acima de cinco anos de trabalho e de criação em performance e abaixo desse recorte, apontando uma presença tanto de artistas ainda em fase de consolidação de sua prática como artistas presentes há mais de um quinquênio.

Ainda no que concerne a essa edição, segundo os dados que puderam ser reunidos a partir dos participantes, as performances apresentadas transitam e propõe diálogos com o público, com o espaço e com o próprio corpo sem temáticas prevalecentes ou materiais específicos que conjunturem um padrão emergente, o que pode ter como causa a diversidade da produção reunida na primeira edição. Por outro lado, esse dado tem a possibilidade de apresentar-se como referente ao número mais contido de performances participantes (onze no total).

A presença entre coletivos e artistas individuais também foi equilibrada, não havendo destaque diferenciado para nenhuma modalidade de participação.

Na segunda edição houve sete participantes, indicando uma queda de participação de pouco mais de quarenta por cento, e temos novamente um grupo mais focado em criadores estabelecidos e com produção na cidade de São Paulo, muito embora diálogos com outras regiões geográficas (Nordeste e Sudeste) tenham sido estabelecidos através de mesas de discussão e outras estratégias arquitetadas pelo encontro.

As performances possuem uma tendência emergente na oralidade e uso da palavra como campo de troca entre os sujeitos presentes e a proposição do performer, configurando-se em mais da metade dos trabalhos cujos dados foram levantados. A duração dos trabalhos não foi aferida no que diz respeito a essa edição devido à limitação dos dados reunidos.

Ainda na segunda edição, com a queda no número de participações, temos predominantemente ações de performers individuais e a presença de apenas um coletivo de criação.

Indo em direção à terceira edição do Perfor, observo a ascensão da curva de participantes, voltando a um valor próximo ao da primeira edição. Foram doze os artistas cujos trabalhos integraram o programa do fórum, com um aumento na média do tempo de criação em arte da performance dos participantes que chegou à faixa do segundo quinquênio de produção.

Observa-se ainda o segundo ano consecutivo de predominância de participações individuais, somando cerca de oitenta por cento do total de artistas. Enquanto isso, os coletivos inscritos apresentam, durante os três anos do encontro, menor tempo de produção em performance do que a média dos artistas participantes na modalidade individual.

A união desses dois padrões, encontrados também desde o levantamento conduzido a respeito do Circuito BodeArte, sugere a instabilidade da continuidade e manutenção dos coletivos de artistas que criam na arte da performance brasileira. Destaco novamente que essa é uma sugestão, e somente um arcabouço comparativo maior poderia apresentar um panorama mais firme sobre essa perspectiva.

Não há padrões emergentes apontados a partir do conjunto de propostas das ações presentes na terceira edição do Perfor, podendo-se destacar, sobre esse ponto, somente a aparição de referências a diálogos com outras linguagens artísticas, como a música, a dança, o vídeo e a poesia.

Com a quarta edição, inteiramente realizada na rua, o número de participação cresce drasticamente, dobrando a quantidade de participantes da edição anterior; entre artistas individuais e coletivos, a soma de todos eles perfaz mais de vinte e cinco artistas presentes no evento.

A participação individual ainda predomina, pelo quarto ano consecutivo, apresentando, contudo, uma leve diminuição na porcentagem comparativa do total de artistas, contabilizando pouco mais de setenta por cento das ações.

A mudança nos números de participação coincide com a proposição de um formato diferente de produção das edições anteriores do fórum. Se antes tínhamos todo o grupo da BrP se revezando em várias etapas do evento, dependendo da disponibilidade que ofereciam, agora um núcleo menor de pessoas provenientes da diretoria da associação assume a produção do evento do início ao fim.

Se a terceira edição do fórum, mesmo com grandes dificuldades, foi feita para garantir a continuidade anual, a quarta edição é fruto de uma reavaliação da Associação no que diz respeito aos processos que deseja mover e ativar através do Perfor. Esse é também um momento de reorganização das ações e dos meios necessários para que se consiga produzir tais processos.

Para a quarta edição, uma convocatória é organizada e lançada para artistas nacionais e internacionais, e parcerias referentes a hospedagem e alimentação são oferecidas aos participantes. Repensar sua experiência permitiu ao encontro ganhar outro fôlego e se expandir na sua rede de participantes.

Um ponto interessante destacado pela BrP naquele momento é o de que o evento tem a capacidade de ocorrer sem financiamento; este não é, em definitivo, uma restrição. Mesmo que nos cenários de financiamento para a performance a opção de ser ou não patrocinado não seja tão clara, pela falta de oportunidade no suporte a encontros, o fato é que o formato não financiado via edital também proporciona desvios e aberturas que promovem uma experiência diferenciada.

Escrevi durante o mestrado que a precariedade, como a discutiu Lygia Clark, é uma força de ação e transformação; a precariedade das estruturas e dos momentos abre potencialidades para a passagem e mudança. A precariedade não como diminuição da potência de agir no mundo, mas como aumento desta, como força que faz acionar e perceber que, enquanto o fixo é uma figura abstrata, a mudança é uma força incorporada.

Assim, realizar um encontro sem financiamento, como bem coloca Grasiele Sousa, membro da diretoria da BrP, não é sinal de fracasso ou de insucesso, pelo contrário, é uma perspectiva pela qual podemos criar perfuramentos e fluxos nos formatos de eventos e de encontros, permitindo outra experiência de troca e de contato entre artistas participantes.

É notável, na quarta edição, a melhoria na organização dos dados do festival, perceptível no detalhamento e na apresentação das informações analisadas neste texto. No quarto ano do Perfor existe um aumento expressivo na diversificação de perfil geográfico dos artistas, com destaque para participações internacionais que compuseram um quinto do total de participantes. No que se refere ao Brasil, a entrada de outras regiões geográficas com maior ênfase ocorre nessa quarta edição, com três regiões, além do Sudeste, entrando no rol de participantes. O grupo predominante nas participações nacionais ainda foi o de artistas residentes e com produção em São Paulo.

No que diz respeito às propostas, a discussão de questões referentes ao espaço, a suas estruturas, objetos e fluxos na relação com o corpo presente obviamente ganha ênfase em se tratando de uma edição realizada eminentemente na rua. Linhas gerais que emergem desse recorte atravessam relações de transitoriedade, acumulação, movimento e corpo.

Há um aumento também no número de participação de artistas ainda no primeiro quinquênio de criação na arte da performance, muito embora o grupo mais expressivo de participação ainda seja de artistas que possuem entre cinco e dez anos de produção.

O quinto Perfor seguiu a mesma orientação de produção que seu antecessor, mas diferentemente voltou ao espaço fechado com ações que podem, ou não, transitar para a rua. No quinto Perfor ainda observa-se uma elevação no número de participantes em relação às três primeiras edições, mas apresenta uma queda de cerca de vinte por cento em relação à edição anterior. Uma singularidade ocorre com relação à configuração dos artistas, que, dessa vez, em sua totalidade é composta de participações individuais, sem a presença de coletivos e grupos, mais uma vez dando continuidade ao padrão já anteriormente mencionado.

Os números entre artistas no início de seu período de produção em performance e artistas com mais de dez anos de produção se equilibram, se diferenciando da edição anterior nesse aspecto, com uma leve vantagem com relação a artistas com mais tempo de atuação no campo.

Os temas são variados, mas desponta uma tendência perceptível em um grupo composto por um terço dos trabalhos: a discussão de questões relacionadas a memória e esquecimento como vias de proposição de experiências distintas que interpelam questões tecnológicas, narrativas, de identidade e subjetividade, até o próprio processo mnemônico.

Participações internacionais permanecem como um grupo expressivo nessa edição, compondo um quarto do total de artistas. Nacionalmente, a porcentagem de participação de artistas de São Paulo se equilibra com o perfil geográfico de participantes advindos de outras localidades. Em um recorte regional, o maior grau de participação ainda fica com representantes da região sudeste.

 

Um fim precário para começar de novo

Passar pela memória de dados silenciosos de um fórum de performance, de um encontro, e ver toda a inteligência gerada por esse bravio ato de fazer com mais vontade do que recursos financeiros, é sempre uma conquista que produz profunda alegria em mim como pesquisador e performer. Como pesquisador, porque é a chance de expandir meu esforço na tentativa de construção de uma rede comparativa entre os dados reunidos por diferentes encontros de performance realizados pelo Brasil no início do século XXI. Como performer, porque continua a me mostrar a potência das trocas e de encontros como proposição política, como momento de outro olhar para a precariedade com força e carinho.

Este escrito aponta para a perspectiva de uma continuidade na investigação de como a performance arte brasileira e seus espaços de criação e experiência nos impelem a pensar novas formas de produção de conhecimento e de compreensão da ideia de linguagem artística, política cultural e da arte da performance em si e para fora de si. Após cinco anos de Associação, como parte desse momento de crescimento dos eventos em performance, de proliferação, a BrP faz bem ao olhar que pôde acompanhar o que se fez até aqui. E muito foi feito, em esforço e realização.

Todavia, numa lição que a já citada precariedade persiste em nos apontar, o momento é, insistentemente, de mudança, e assim como a quarta edição do Perfor marcou um passo diferenciado em como compreender o que significa a experiência do estar junto em performance para o evento, outros lugares e pensamentos são buscados no cenário de uma sexta edição a ser realizada num contexto de crescimento do número de eventos de performance que se avizinham. Potente pelo que foi, potente pelo que é e pode ser.

Os dados, que apontam um consecutivo aumento das participações no fórum em comparação aos seus três primeiros anos depois das novas decisões de produção para a quarta e quinta edição, nos mostram que o desejo por troca e diálogo não diminuiu desde que o Perfor iniciou suas atividades em 2010. A variação de abordagens e de temas, e a aparição de um número maior de artistas a cada edição do primeiro quinquênio de criação em performance, em equilíbrio com a permanência de artistas que já estão no segundo quinquênio, nos mostra que diferentes olhares e proposições surgem e têm continuidade na arte da performance brasileira.

Um multiverso complexo de ações que insistem em sua diferença, crescem em número e não esmaecem nas suas práticas chega aos encontros de performance, que também se interiorizam cada vez mais no país. E se, como apontei, articular e produzir encontros em performance é uma ação performática, temos e teremos cada vez mais nos performers e no Perfor um corpo vivo e vibrante da performance brasileira.

 

BIBLIOGRAFIA

FABIÃO, E. B. Performance e Precariedade. In: OLIVEIRA JUNIOR, A. W. (org.). A performance ensaiada: ensaios sobre performance contemporânea. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2012, p. 63-85.

JOHNSON, S. Emergência: a dinâmica de rede em formigas, cérebros, cidades e softwares. Tradução de Maria Carmelita Pádua Dia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

PELBART, P. P. Poderíamos partir de Espinosa. Afuera. Estudios de Critica Cultural, v. 1, n. 1, p. 1-10, 2007.

SCHNEIDER, R. El Performance Permanece. In. TAYLOR, D.; FUENTES, M. A. (org.). Estudios Avanzados de Performance. Tradução de Ricardo Rubio, Alcira Bixio et. al. México: FCE, Instituto Hemisférico de Performance y Política, Tisch School of the Arts, New York University, 2011.

 

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SOBRE AS REDES (IN)VISÍVEIS OU AQUILO QUE SUSTENTA O PISO DA TUA CAMINHADA

Rodrigo Munhoz

 

Recentemente, o portal google maps adicionou a opção de jogar pac-man pelas vias de acesso por onde circulam nossas respectivas buscas diárias. O game em questão trata de uma criatura que está sempre em fuga, exceto quando se alimenta de uma substância potente para devorar quem o acossa. O fato é que a fuga acontece por caminhos estreitos onde só é permitido a passagem de um único ser. Trata-se de converter a nossa pequena criatura num “cartófago”, posto que o mesmo terá que “devorar” caminhos e criaturas por todo o território para evitar o fim de sua existência. É curioso constatar que o jogo propõe a sobrevivência, mediante a anulação da existência alheia, uma vez que a permanência do jogador depende da desobstrução solitária das vias de acesso. Por sorte, é um jogo que se orienta pela repetição, bem como pela aceleração gradual das perseguições entre as partes envolvidas, ou seja, não há um final.

Um mapa serve em princípio como um localizador de rotas para a sobrevivência, uma vez que indica os locais onde estão os insumos necessários para a mesma. Um mapa desobstruído é também um mapa em que os lugares são ativados pela presença das pessoas. Portanto, falar em redes invisíveis é também falar dos lugares por onde circulamos, sobretudo no contexto em que fazemos nossas respectivas deambulações. Desse modo, faz-se premente afirmar que a constituição de uma rede acontece quando há alguma percepção sobre fenômenos similares, numa determinada circunstância da vida. Uma rede permite, por exemplo, que eu interrompa este texto para me colocar num outro espaço da rede, responder a um post e retornar com um fragmento do mesmo: “Lembro de ter vivido a minha primeira experiência com a performance em 2003… só fui ter a segunda em 2006 e a terceira veio em 2009, para ficar. Não encontrei (por incompetência) gente para compartilhar nas duas primeiras oportunidades, muito embora já houvessem iniciativas do gênero rolando. Só fui vivenciar a coisa pra valer depois de um encontro ‘entre estranhos’ na Sala Zero do CCSP em 2009. Foi lá que escutei pela primeira vez que nós, artistas da performance, não deveríamos ter vergonha do que somos, que não deveríamos escamotear o termo performance… esse cara era Lucio Agra. Por sinal, foi ótimo e resolvi ficar de vez e pra sempre. Infelizmente, tivemos um intervalo entre o final dos anos de 1970/início dos anos de 1980 e as últimas duas décadas… intervalo esse que não ocorreu em outros países hermanos, como no caso do México; aliás, temos muito o que aprender com esses caras. Temos que aprender o quanto somos latino-americanos, com todas as nossas contradições… o quanto a arte de ação nos atravessa de uma maneira distinta, por vezes num contexto de criação muito diferente dos europeus e norte-americanos”.

Sendo assim, afirmo que só fui ter a devida compreensão de que precisava engendrar algo em torno de uma rede… um instrumental para compartilhar esse “clima performático”, ao buscar uma plataforma de dados que pudesse informar quem fazia a tal da performance no Brasil. Foi só então que a circunstância de espera por alguém que o fizesse por mim deu lugar ao “faça você mesmo”, visto que não poderia esperar por uma política cultural ou lei de incentivo que pudesse encabeçar a ação. O incentivo eu já tinha e era o desejo de fazer valer a existência de um canal de manifestação dedicado ao(á)s artistas da performance. Desse modo, confiei um trabalho de mapeamento a uma plataforma chamada “meipi” (www.meipi.org). O mapeamento foi iniciado nos idos de 2012 e paralelamente eu já participava de um group mail chamado Brasil Performance, antes Repesp (Rede de Performance do Estado de São Paulo), em funcionamento desde 2009. A coleta de dados se deu com base nas informações contidas no referido group mail, bem como no próprio Facebook. Durante o período de processamento de dados, foi possível identificar uma quantidade enorme de pessoas espalhadas por todo o país que lidavam, em alguma medida, com a arte da performance. O processo ganhou dimensão, de maneira que abri a plataforma para que outras pessoas também incluíssem o que achassem necessário para aprimorar a coleta de dados. Entretanto, a plataforma sofreu com um problema técnico, que prejudicou a localização de dados, e somou-se a isso uma necessidade de ir para além da identificação, ou seja, ir ao encontro do contexto em que os artistas da performance estavam inseridos, de modo que me restou abandonar o mapeamento para conhecer de perto quem fazia e como fazia. Para tanto, me coloquei em marcha, rumo aos encontros que se relacionavam com o tema, e migrei de vez para a plataforma Facebook nesse mesmo ano de 2012, ao ser convidado por Vanderlei Lucentini (precursor da Performance em São Paulo e membro na Associação Brasil Performance), para assumir a moderação virtual do face group “Brasil Performance”. Assumi essa rede e em seguida me tornei parceiro de produção na empreitada para a realização dos “Perfores” (Festival anual de Performance em SP) que se seguiram.

O início da moderação na “Brasil Performance” tinha dois objetivos: fazer fluir a comunicação entre gente envolvida com performance e estabelecer conexões com as comunidades de performance localizadas em outras partes do mundo, sobretudo, américa-latina. Para além disso, foi necessário estabelecer um recorte das práticas localizadas na arte de ação. Não se tratava de falar sobre a performatividade enquanto ponte entre a performance e as demais linguagens. Tratava-se sim de assumir a arte da performance no lugar em que a mesma está implicada, ou seja, na ação e para além das possíveis noções cristalizadas ou possíveis contornos que pudessem encerrá-la no caminho do que está adaptado ao treinamento destinado ao sucesso. Interessava e interessa lidar também com os recortes específicos que esse fenômeno da Performance é capaz de acolher: fracasso, decepção, destruição, desvio, deformação, “anormatividade” ou tudo aquilo que vive numa zona entre a anomia e a autonomia. Havia e há também o desejo de manter essa rede numa perspectiva de um lugar afeito à aproximação, visto que quando falamos em performance, não falamos por meio daquilo que se tem enquanto definição, uma vez que se trata de algo que é plenamente “hackeável”, como o atributo “Fuleragem” para a palavra performance, feita oportunamente pelo Grupo Corpos Informáticos de Brasília. Enfim, trata-se ainda de “colocar pra rodar” as manifestações marginalizadas, de maneira que as mesmas alcancem um patamar de emergência… Em franca ascensão, aliás, hoje a comunidade se encontra para além da Associação Brasil Performance, visto que seus membros espalhados pelo Brasil e fora dele determinam o rumo de sua timeline. Faz-se importante ressaltar que outro artista da Performance tem sido fundamental na moderação dessa rede; Marcio Shimabukuro aka Shima. A chegada desse novo parceiro se deu em razão de sua disponibilidade e percepção de que era difícil moderar de modo solitário um conjunto de relações, que na maioria das vezes envolve conflitos nas mais variadas camadas das postagens, posto que nem sempre há uma compreensão acerca do que é o recorte sobre o qual se debruça a página em questão.

Essa rede também tem se desdobrado em outras tantas redes, de modo que já estou dividido entre essa comunidade e uma outra chamada “La Plataformance” (iniciativa dedicada a uma estação de trabalho em Performance). Sinto também um desgaste em tocar a moderação dessa comunidade, visto que envolve também estresse em algum nível, inimizades… sem que as pessoas se deem a oportunidade de se conhecer. Também sinto que há uma omissão por parte de algumas pessoas da Performance, por não quererem debater, se expor… também pelo medo de “se queimar”, ficar tatuado como pessoa inadequada, ainda que a própria natureza selvagem da Performance se coloque também enquanto inadequação. Tenho pra mim, que algumas pessoas que participam da comunidade têm muito medo de cair numa radicalidade e perder uma porta para um suposto mercado da arte da Performance. Para mim é difícil encontrar certos lugares para um debate qualificado sem a presença da “pró-forma”, visto que sou movido pela curiosidade e por todo o código de informação em aberto… open source, sobretudo por não ter optado por uma experiência completa com o ensino formal, de modo que não me formei… me deixei deformar; tenho tentado trabalhar na chave das informações e experiências que forçam os contornos que engessam. É fato também que a página possui muitas pessoas que fazem a diferença nos meios dedicados ao ensino formal, não formal e informal… logo, poderiam participar mais vezes desses debates… gerar brechas para discussões, afinal, o encontro entre esses lugares do ensino formal, não formal e informal são capazes de gerar outros lugares criativos… transdisciplinares e indisciplinares.

Também encaro a moderação desse grupo como um trabalho qualquer, uma vez que atravesso uma jornada diária de atividades. Fosse nos E.U.A. e eu seria um Community Manager, com direitos trabalhistas assegurados em alguma medida, todavia, nossa realidade é outra e não podemos esperar pelas condições ideais de trabalho, até mesmo em face dessa plataforma viabilizar o contato e a circulação de trabalhos entre muitas pessoas… e me incluo nisso.

Em suma, é uma satisfação enorme poder fazer valer o ensino técnico em processamento de dados que fiz no período do ensino médio. Valeu perder a adolescência para vê-la reflorescer depois pela performance/fuleragem/performação/arte de ação. Melhor do que isso é ver que a lógica de “Pac-man” está de fato ultrapassada… que a rede segue na (in)visibilidade, incomoda e desacomoda a mobília das casas e joga tudo pra rua… tal qual uma ação de performance.

 

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AS PERGUNTAS QUE FIZEMOS

Lucio Agra

 

“Quem somos nós que fazemos performance no Brasil?”, essa era a pergunta que fazíamos a nós mesmos quando começamos a tentar nos organizar como uma Associação, reunir aqueles que, imaginávamos, estariam interessados em uma possibilidade como essa. Pensando nessa pergunta, me vem à memória outra: “Como hesitar antes de dizer ‘nós’?” Esta é a pergunta que o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro diz ser, em palestra recente [8], o métier de sua ciência.

Foi justamente ao hesitar diante da identidade que pudemos descobrir o que nos fazia uma diferença possível. Tratava-se, na verdade, de saber não quem éramos, mas do que fugíamos.

No primeiro (e único) Fórum de Performance de Bauru, o organizador, em certo dia, disse-me à queima-roupa: “Precisamos nos organizar, Lucio. Não podemos mais ser presos na rua por atentado ao pudor”. Naquele e em alguns anos depois o ridículo pavor diante do nu, que evocava uma legislação obsoleta, nos parecia uma das principais ameaças à performance. De fato, a menos que a pessoa fosse um mendigo ou um morador em situação de rua, um “maluco” qualquer, não era tolerável que um comportamento artístico fosse possível na rua. Em pleno século XXI. Alguns devem se lembrar da interdição aos músicos que se reeditou há alguns anos em São Paulo e ainda vigora em várias partes do mundo.

Mas decerto havia muito mais por trás disso.

Para começar, a ausência completa de políticas culturais em todos os níveis. A mecânica da estratégia-tampão que são os “editais” e “fomentos”. Concorrências que trabalham com formulários e projetos, com planilhas e burocracia para enquadrar a diversidade em um padrão único, responsável pelo downsizing de todas as repartições públicas (vide o caso escandaloso da Funarte). Havia quem acreditasse que a performance precisaria de uma “lei de fomento” própria.

Desde o início eu e algumas outras pessoas fomos críticos veementes dessa ideia, percebendo que só será possível um novo contexto de financiamento público da cultura com projeto no qual esteja contemplada uma área – no caso, podendo chamar-se de “Artes Experimentais”, por exemplo –, com orçamento destinado ao apoio de um tipo de produção que não tem grande público e cuja vocação é laboratorial, investigativa, que trabalha na ponta [9].

Tudo isso alimentou três ou quatro dias de discussão que resultaram num primeiro esboço de um documento reivindicatório de uma “categoria”. Essa e outras noções – como a da “profissionalização” –, todas derivadas de um quadro tradicional de entendimento da atividade artística, misturaram-se a um desejo difuso de escapar das estruturas, de não institucionalização, de divergência e, no limite, de um certo anarco-individualismo. Isso foi o que gerou a Rede de Performance do Estado de São Paulo, a Repesp, criada informalmente no primeiro fórum, como esboço, e levada adiante, em 2008, em São José dos Campos, em uma segunda reunião de interessados no tema. Lembro-me que dentre esses se incluíam Bia Medeiros, Flávio Rabelo, Marcos Bulhões e alguns outros, muitos egressos do Teatro, da Dança e outros ainda que surgiam vindos de proveniências diversas como o Design (caso de Márcio Shimabukuro, o Shima). O que se seguiu foram dois indicativos: a feitura do Fórum em SP e a consolidação da Repesp em duas etapas: virtual e real. Fazer uma lista de e-mails foi uma providência, a outra seria um site. Este nunca chegou a se concretizar.

Muito embora não tenhamos conseguido nos organizar para o Fórum de 2009, pelo menos a organização jurídica para a criação de uma associação se deu muito graças a Vanderlei Lucentini, que preparou os estatutos. Mas depois de uma célebre reunião de mais de trinta pessoas em um pequeno estúdio que eu mantinha na Santa Cecília, as coisas começaram a ir mal, culminando com trocas de acusações online e a perda de um legendário livro de atas.

A Repesp morreu antes de nascer. Mas das cinzas daquela confusão, um pequeno grupo emergiu e fundou, sem muito alarde, uma pequena associação cujo nome, entretanto, aspirava grande amplitude. Desse modo surgia a BrP, a Brasil Performance. Considerações sobre um nome forte, uma sigla que grudasse na memória, feitas por nosso “assessor” para assuntos publicitários e presidente de honra, Otávio Donasci, autor também dos nossos logos, pesaram na decisão pelo nome.

Cavucando a minha caixa de e-mails, localizei uma mensagem a respeito de nossa primeira reunião, do dia 16 de junho de 2010; um relato breve das pretensões que alimentávamos àquela altura. Era uma mensagem do Vanderlei e dizia assim:

 

Caros,

Segue o relato da primeira reunião da diretoria, dia 16/06/2010.

Tivemos a presença de todos os componentes da diretoria.

Definimos:

1) uma reunião mensal;

2) reconhecimento de firma da presidente, após a assinatura do advogado; (…)

3) Após a assinatura e registro no cartório, a abertura de uma conta corrente em algum banco;

4) A contribuição semestral de R$20,00, vamos ter um custo fixo para manter a associação.

Ações Artísticas, Pedagógicas, Políticas e o que mais vier…

Adotaremos quatro linhas de ação:

1) Política (contatos com estâncias públicas e privadas para expandir a nossa ação);

2) Pedagógica;

3) Artística;

4) Fórum.

Ações propostas

Agosto 2010 – Mostra de performance (local ainda não definido)

Setembro 2010 – Encontros, debates, workshops sobre performance (destinada a um público iniciado e iniciante)

Outubro 2010 – Mostra de performance (local ainda não definido)

Novembro 2010 – Fórum (Donasci propôs 1º Fórum Brasil Performance)

Dezembro 2010 – Mostra de performance (local ainda não definido)

Como faremos isso?

Em seis pessoas fica quase impossível agilizar esse cronograma, precisamos de todos nesse momento. Peço que, além da diretoria, os membros do conselho fiscal se alinhem ao processo. Como não dá para todo mundo fazer tudo, foi sugerido a divisão de tarefas (grande lição herdada do capitalismo) e, dessa forma, as pessoas escolham a ação proposta que mais lhe atraia, ou que seja mais confortável. Após a escolha, formaremos grupos de trabalho e proporemos o(s) formato(s). Escolham as opções.

Abraço,

Vanderlei

 

De toda a pretensiosa agenda, realizaram-se o Fórum, aproveitando o feriado de 15 de novembro (uma aposta minha, pois sempre achava que por ser geralmente o último do ano, as pessoas preferiam ficar na cidade e, ao mesmo tempo, tornava-se atraente para quem vinha de fora), e alguns encontros de performance e vídeo – seguidos sempre de discussões – no saudoso Cine Galpão, no bairro da Lapa. Em fevereiro de 2011, também foi realizado o Spectrum – SomA Performance, organizado e curado por Vanderlei Lucentini, e que reuniu gente que trabalhava com som, música e anti-música. Havia veteranos como Conrado Silva e jovens experimentadores como Daniel Fagundes, Romulo Alexis, Orquestra Descarrego além do próprio Vanderlei.

Graças à preciosa oferta da então diretora do Centro Cultural da Espanha, na época muito bem localizado em Higienópolis, num “lojão” da avenida Angélica, conseguimos ter o ânimo necessário para organizar um programa de cinco dias de performance com direito a mesas durante a tarde e ações à noite, em novembro de 2010. O nome, PerforUm, lembrava uma outra atividade que Arthur Matuck, um dos membros da diretoria, levara a cabo com outros artistas, em performances online, durante anos anteriores. Mas agora a pretensão era que esse prefixo fosse unido a um numeral dois, três e assim por diante.

Sem tema, mas com vontade, esse primeiro fórum foi um êxito absoluto. A forma, desde sempre, foi a de um Festival, mas a discussão era um dos alvos primordiais. O detalhamento que André Bezerra faz, nesse Dossiê da eRevista Performatus, dá conta do perfil que fomos formando. Mas o mais auspicioso é que tivemos um número de pessoas acompanhando que superou todas as expectativas, além de constatarmos a presença da performance Brasil afora.

Eu diria que com duas ou três edições passamos a perceber que não só poderíamos ingressar num calendário nacional de eventos como também, na cidade, passávamos, a cada ano, a fazer parte de uma cena que não mais se resumia a um único certame, a Mostra Verbo, produzida pela Galeria Vermelho, uma galeria privada que, desde o início da década, reunia a “tribo” dos “performeiros”. Desfizemos várias falsas impressões para nós mesmos, com o passar do tempo. No início, a Verbo pretendera usar o modelo da Live Art Development Agency inglesa (http://www.thisisliveart.co.uk/about). A posição solitária do evento, em um quadro de produção que ainda engatinhava, deu-lhe um peso que o manteve na função principal de tornar visível essa mesma produção, alimentada com a vinda de artistas internacionais, e fez com que esse outro objetivo se tornasse secundário.

Desde o PerforUm, por exemplo, já contamos com presenças internacionais. No UM foi Valentin Torrens, graças a uma parceria com o Congresso da ABRACE, a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Valentin veio dar uma Oficina de performance no Congresso [10] e nos concedeu uma palestra. No DOIS tivemos Felipe Ehrenberg, que a essa época ainda morava no Brasil. Por muitos anos foi da Adido Cultural da Embaixada do México. Em 2012, quando o levei para se encontrar com Guillermo Gómez-Peña em um congresso da Associação Brasileira de Antropologia na PUC, este o chamou, em público, de Godfather da Performance mexicana. Foi um encontro emocionante.

No TRÊS vivemos a crise. Estávamos em cima da hora, abatidos pelas promessas não cumpridas de verbas no Perfor2 que quase derrubaram o evento. A decisão de fazer no Instituto Volusiano, com um elenco que era a própria diretoria, praticamente, tendo à frente a presidenta Samira Br, foi um esforço para não esmorecermos. Mas, apesar de tudo, nessa edição criamos a convocatória que, mesmo precária, conseguiu chamar a atenção de alguns jovens artistas de Belo Horizonte. Não tínhamos convidado internacional. Quis passar um filme-surpresa. Tinha tido acesso a uma cópia pirata de The Artist is Present. Poderíamos ter tido a chance de vê-lo em primeira mão. Mas a discussão sobre o nosso futuro falou mais alto.

Creio que é possível dizer que aí nasceu uma divisão que marcou um novo caminho para a Associação ou pelo menos para o grupo que realizava o Fórum, já que a BrP, ela mesma, não conseguia se mover para fora de uma baixa representatividade como agremiação de performers brasileiros.

A grande mudança, decidida por pequeno grupo a partir de uma exposição na Galeria Jacqueline Martins, tomou forma com a ideia de ir para a rua. Em 2013, o Perfor4 toma um caminho radical: assume a feição de festival, detém-se em três dias, realiza-se sem nenhum recurso (nosso caixa estava vazio), faz uma convocatória internacional (uma temeridade!) e busca uma atitude que eu pessoalmente propugnara: os organizadores fazem o evento, os artistas performam. Essa separação, embora artificial, visava desfazer a impressão de que a BrP pudesse ser uma espécie de “clube” de um grupo para que este realizasse suas ações.

O efeito disso foi benéfico tanto para este grupo, que foi buscar mais espaços para atuar, como para o evento, que ganhou em imparcialidade e, sobretudo, representatividade. A partir do Perfor4, o nosso Fórum passou a ser notado numa rede internacional. Graças somente ao apoio da Performancelogía [11], de Ignacio Pérez Pérez e Aidana María Rico Chávez, passamos a instituir padrões novos como o conceito de recepção dos artistas com base na hospedagem solidária e nas permutas para alimentação e outras atividades.

Percebemos a necessidade de fixar uma data, retornando, desde o Perfor4, ao feriado de 15 de novembro. Instituímos a série de nomes “enigmáticos” que designavam os temas. No Perfor4, o tema era marcado pela pergunta [onde?], o que referia a busca da ocupação do espaço urbano. No Perfor5, em 2014, [quando?] expressava as perguntas em torno do arquivo e da memória. Temas também trabalhados naquele ano pelo Paço das Artes, na USP, que viria a nos convidar a integrar a série de eventos chamada MaPA – Memória do Paço das Artes, curada por sua diretora, Priscila Arantes. A volta ao espaço do museu, do centro cultural, foi vital para dar suporte ao evento. Ainda com parcos recursos, mas com infraestrutura, o Perfor5 consolidou a trajetória da BrP até ali. Discutimos e levantamos a sua documentação. Traçamos o projeto de um livro de memória da Associação e dos Fóruns.

Desde o Perfor4 também passamos a colaborar com eventos (Perforlink, Chile) e espaços independentes (Casa Nexo). A troca de experiências com outros festivais e iniciativas nos vem ensinando muito.

A caminho de cinco anos de atividades e seis Foruns – dos quais o sexto terá como tema [quem?] –, resolvemos voltar a perguntar sobre a cena que hoje se desdobra de uma forma que não se poderia prefigurar nos primeiros anos do século XXI. O curso de graduação no qual trabalho na PUC de São Paulo, Comunicação das Artes do Corpo, foi inaugurado no último ano do século XX. Foi o primeiro a ter uma área de concentração em Performance. Naquela época, sequer se pensava que essa arte pertenceria ao XXI. Em 2010, sabíamos já que existíamos mas não quantos e como nos organizávamos. Agora vemos, por todos os lados, o que já foi chamado de boom da performance. Mas isso não faz muito sentido se considerarmos que o termo, as ideias, os estudos, a arte, a linguagem, já existem há pelo menos cinquenta anos.

Perguntamo-nos agora quem somos quando a coragem para dizer “nós”, a certeza já de saber que não é preciso mais provar que existimos, nos coloca novas perguntas. Uma delas poderia ser… quem queremos deixar de ser?

 

***

 

NOTAS

[1] Disponível em: <http://brasilperformance.blogspot.com.br>. Acesso em: 08 jul. 2015.

[2] A atual diretoria da Brasil Performance encontra-se disponível no blog da BrP, disponível em: <http://brasilperformance.blogspot.com.br/p/sobre.html>. Acesso em 08 jul. 2015. Ela envolve tanto artistas veteranos da performance em São Paulo, com vasta produção, como Otávio Donasci e Arthur Matuck, até outros que atuam na área acadêmica (os mesmos e mais Lucio Agra) ou em interfaces com outras linguagens como a música (caso de Vanderlei Lucentini e Marco Koncá), da dança (Grasiele Sousa), da culinária (Leila D), das artes visuais (Joanna Barros), da videoperformance (Adriane Gomes). Quase todos os artistas tiveram ligação com o trabalho de Renato Cohen (1956-2003), como é o caso de Samira BR, atuante em vários de seus trabalhos.

[3] Números referentes à adesão de associados no período de novembro de 2014 a novembro de 2015; a diretoria da associação é composta bienalmente, sendo que o exercício da gestão atual é até maio de 2016.

[4] Disponível em: <https://www.facebook.com/groups/brasilperformance/?fref=ts>. Acesso em 08 jul. 2015.

[5] BEY, Hakim. TAZ zona autônoma temporária. São Paulo: Conrad, 2001. 

[6] Disponível em: <http://performancelogia.blogspot.com.br>. Acesso em: 08 jul. 2015.

[7] Extraído de: <http://revistatpm.uol.com.br/reportagens/batata-precisa-de-voce.html>. Acesso em 08 jul. 2015.

[8] “Filosofia, Antropologia e o Fim do Mundo” disponível em http://vimeo.com/78892524 . Esta palestra e outra, proferida na III Conferência Curt Nimuendaju sobre mais ou menos o mesmo tema (http://vimeo.com/81488754 ) receberam um extenso e intenso comentário no blog “Ponto de Vista” da professora da Unicamp Amneris Maroni (http://amnerisamaroni.wordpress.com/ acessado em 20/1/2014).

[9] Dois exemplos de políticas culturais públicas que pude ver de perto foram o Québec, no Canadá e o México. No Québec, um Conselho de representantes decide, à maneira de um orçamento participativo, o destino das verbas de cada setor da cultura. No caso do México, organismos estatais amplos e abrangentes – que enfrentam, inclusive, duras críticas – são responsáveis pela administração de patrimônios e distribuição de recursos. A sua presença na cena cultural suplanta em muito a iniciativa privada.

[10] Disponível em: <http://portalabrace.org/1/index.php/encontros/166-vi-congresso-sp-2010>. Acesso em: 08 jul. 2015.

[11] Disponível em: <http://performancelogia.blogspot.com.br>. Acesso em: 08 jul. 2015.

 

 

PARA CITAR ESTE ARTIGO

Sousa, GRASIELE (org.). “BrP: Um, Dois, Três… Testando!”. eRevista Performatus, Inhumas, ano 3, n. 14, jul. 2015. ISSN: 2316-8102.

 

Revisão ortográfica de Marcio Honorio de Godoy

© 2015 eRevista Performatus e xs autorxs

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